Voto de qualidade, democracia e justiça fiscal foram temas abordados durante seminário sobre Carf

Um número maior de representantes do Fisco no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e a importância do voto de qualidade foram temas de discussão nesta quarta-feira (15), durante o seminário “Pensar o Carf, promover Justiça Fiscal”, articulado pela Direção Nacional do Sindifisco, com apoio da Universidade Federal de Goiás (UFG), no auditório Freitas Nobre da Câmara dos Deputados.
O presidente do Sindifisco Nacional, Auditor-Fiscal Isac Santos, afirmou, durante sua fala na mesa de abertura, que o fim do voto de qualidade praticamente torna nulas as fiscalizações complexas que resultam em Processos Administrativos Fiscais (PAF). Ele também destacou que a escolha dos conselheiros que representam os grandes contribuintes é feita pelas grandes confederações empresariais e que, portanto, eles representam interesses de um segmento muito restrito.
“O preço dessa particularidade (participação dos representantes dos ‘contribuintes’) é gigantesco. Com essa configuração do Carf, em que grandes empresas não pagam tributos, 22 empresas foram beneficiadas com a não cobrança de R$ 25 bilhões só no ano passado em função do fim do voto de qualidade”, disse.
Outra proposta de mudança na composição do Carf foi apresentada pelo deputado Mauro Benevides Filhos (PDT-CE) também durante a mesa de abertura do seminário. O parlamentar é contrário ao voto com peso duplo do presidente do conselho, mas defende que a decisão final na revisão do ato administrativo deve ficar a cargo do Fisco.
O Auditor-Fiscal Carlos Higino Ribeiro de Alencar, presidente do Carf, criticou a ausência do voto de qualidade e explicou que, com a sua supressão, o Judiciário foi praticamente eliminado do desenho previsto na Constituição Federal. “O papel do Conselho é evitar que a constituição do crédito tributário vá para uma demanda judicial enfraquecido por algum erro. Ele (Carf) faz uma correção interna. A Constituição elegeu alguém para mediar esse conflito que é o Poder Judiciário. O que está acontecendo agora? Com a ausência do voto de qualidade, parte das matérias mais complexas passam a não ir mais para o Judiciário e tem a definição dentro do conselho”, avaliou.
De acordo com ele, estatísticas e estudos internos revelam que o voto dos conselheiros da Fazenda tem caráter técnico e primam pela imparcialidade. A maior parte dos julgamentos é pró-contribuinte. Só são impactados pelo voto de qualidade 5% dos processos que terminam em empate, aqueles considerados complexos, em que as teses tributárias são debatidas. Ano passado, sem o voto de qualidade, 98% desses processos, que somavam R$ 24 bilhões, foram julgados pró-contribuinte, ou seja, em favor das grandes empresas que se utilizam de planejamentos tributários sofisticados.
Nesse contexto, o estoque no contencioso do Carf chega a R$ 1 trilhão. O Produto Interno Bruto brasileiro é de R$ 10 trilhões. Ou seja, na segunda instância do contencioso federal, estão 10% do PIB. “Isso é uma distorção que não existe em nenhum país do mundo”, afirmou Carlos Higino, criticando o elevado índice de litigiosidade.
Na mesma linha, a secretária-adjunta da Receita Federal, Auditora-Fiscal Adriana Gomes Rêgo, defendeu a diminuição dos litígios e também que a decisão final no Carf fique sob a responsabilidade da administração, já que se trata de uma decisão administrativa.
A secretária-adjunta também ressaltou que os conselheiros que representam os contribuintes sofrem pressão das empresas, mesmo que de forma indireta. Como não têm estabilidade, após o fim do mandato voltam para o mercado. Os conselheiros da Fazenda no conselho são servidores e não têm proveito, mesmo que indireto, nas decisões.
Justiça Fiscal e o papel do Carf

Palestrante do seminário, a pesquisadora da UFG Carolina Lima Gonçalves defendeu uma estrutura fiscal mais democrática com maior participação da sociedade. “O que estamos debatendo hoje é o status de cidadãos que podem atuar como contribuintes, que definem de forma mais próxima do Estado sobre o dever de pagar tributos”, ponderou.
Carolina Gonçalves entende que a tributação, além do papel arrecadatório, tem relação direta com o consumo, a estruturação da sociedade e é uma representação política. Para ela, os tributos não são neutros e impactam na reprodução, manutenção, aumento ou diminuição de desigualdades estruturais. “Não dá para pensar tributação, estrutura do lançamento tributário, a margem de uma reflexão de que tributos também têm um papel de representação política, e para isso o cidadão precisa conhecer e cobrar tanto restituições, ações positivas do Estado (saúde, educação), quanto opinar se quer uma tributação mais regressiva ou progressiva”, afirmou.
Clair Hickmann, Auditora-Fiscal que integra a diretoria do Instituto Justiça Fiscal e atua como consultora do Fundo Monetário Internacional (FMI), apresentou o estudo “Diagnóstico do Contencioso Administrativo Tributário Federal”, baseado em uma dissertação do Auditor-Fiscal Ricardo Fagundes.
De acordo com o estudo, 84 dos 90 conselheiros dos contribuintes no Carf são escolhidos pelas grandes confederações empresariais. Os outros seis são escolhidos por entidades sindicais. A dissertação indica ainda que, em nenhum dos 27 países da OCDE pesquisados, há participação dos contribuintes e 89% dos julgadores são ligados à administração tributária.
O tempo médio dos julgamentos administrativos no Brasil, onde há três instâncias, é de nove anos. Enquanto nos demais países, nos quais há no máximo duas instâncias, o prazo fica restrito a um ano. Os dados também revelaram que quanto maior o valor do processo maior é a tendência de que os votos dos conselheiros dos contribuintes sejam contrários à Fazenda.
Por fim, o advogado tributarista empresarial Márcio Calvet Neves, também palestrante no evento, demonstrou que o planejamento tributário é uma ferramenta legítima e pode ser usado de forma responsável sem trazer prejuízos para a sociedade.
Márcio Calvet apresentou casos concretos que demonstram a imparcialidade dos conselheiros da Fazenda e como o fim do voto de qualidade alterou negativamente os julgamentos. Um exemplo seria o caso do julgamento do ágio interno, prática ilegal que sempre levava a derrotas dos contribuintes, mas teve posicionamento alterado.
O advogado encerrou sua fala defendendo a aprovação da MP 1.160 exatamente com o texto enviado pelo Executivo, a fim de impedir que o Brasil continue figurando como um paraíso da litigância.
Reforma Tributária

O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), coordenador do Grupo de Trabalho que debate a Reforma Tributária na Câmara dos Deputados, prestigiou o evento do Sindifisco Nacional e ratificou a intenção de aprovar na Casa as mudanças relacionadas à tributação sobre o consumo ainda no primeiro semestre e alterações que afetem renda e patrimônio na segunda metade do ano.
Veja o evento na integra aqui.