Sindifisco solicita veto presidencial ao fim do voto de qualidade no CARF
O presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, enviou, nesta segunda (13), um ofício ao ministro Jorge Oliveira, chefe da secretaria-geral da Presidência da República, solicitando o veto presidencial da emenda à Medida Provisória (MP) 899, aprovada no Congresso Nacional, que trata da alteração na dinâmica de votações nas turmas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
Com o fim do voto de qualidade, prevalecerá automaticamente, em caso de empate, o entendimento mais favorável aos contribuintes. Ao detalhar os equívocos acerca dessa decisão, o ofício cita a nota técnica da Receita Federal e as recomendações de veto encaminhadas pelo ministro da Justiça e pelo Procurador Geral da República, esclarecendo que a alteração feita pelo Congresso não atende o interesse dos contribuintes em geral, mas a um grupo específico de pessoas e empresas.
Argumentação – No documento, o presidente do Sindifisco alerta que essa alteração “permitirá o cancelamento de autuações da Receita Federal sobre os maiores sonegadores e usuários contumazes de planejamentos tributários abusivos, cujos recursos julgados pelo Conselho são, por vezes, decididos por voto de minerva proferido pelo presidente da Turma julgadora”.
O ofício deixa claro o prejuízo que advirá aos cofres públicos com a nova medida: em termos de quantidade de processos, um percentual diminuto (menos de 5%) dos julgamentos são resolvidos pelo voto de qualidade, ora a favor da Fazenda, ora a favor do contribuinte. Entretanto, alguns desses recursos correspondem a valores expressivos e alcançam justamente os casos envolvendo os planejamentos abusivos mais sofisticados, as sonegações mais bem estruturadas. Somente os recursos decididos pela Câmara Superior do CARF por voto de qualidade somaram R$ 27 bilhões de reais, em 2019.
Além de um autêntico “jabuti”, sem qualquer relação com o tema da Medida Provisória, a medida aprovada pelo Congresso invade seara de iniciativa e competência privativa do Presidente da República: a organização e funcionamento de órgãos da administração federal.
Há ainda um agravante adicional, que tem passado despercebido de quase todos os interessados no tema: o desvio no processo legislativo ocorrido na Câmara dos Deputados, quando da votação da emenda aglutinativa nº 1, de autoria do Bloco PP (Partido Progressista). O destaque aprovado em plenário apoiou-se formalmente na emenda 9, que possuía o seguinte texto:
“A Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar com a seguinte alteração:
Art. 19-E. Se o processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário resolver-se favoravelmente à Fazenda Nacional, em virtude do voto de qualidade a que se refere o § 9º do artigo 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, a multa de que trata o § 1º do artigo 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996 (multa qualificada), e as demais multas de ofício serão substituídas pela multa de mora conforme o artigo 61 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.”
Como se vê, a emenda 9 propôs, em caso de voto de qualidade em favor da Fazenda, a substituição da multa de ofício pela multa de mora. Ora, o texto do artigo 28 não confere com a emenda indicada, nem com nenhuma outra emenda apresentada no curso da tramitação da MP 899, tratando-se, portanto, de texto novo, que jamais poderia ter sido aprovado. Em verdade, nem sequer poderia ter sido colocado para votação. O texto aprovado não era o da emenda 9 apontada na ocasião, tendo sido inserido ao arrepio dos trâmites legislativos próprios de uma Medida Provisória.
O modelo adotado pelo CARF – paritário, com julgadores indicados pela Fazenda Pública e pelas confederações empresariais – existe há quase 90 anos, herança do modelo varguista. A adoção de juízes não togados, os chamados juízes classistas, é um modelo já abandonado em todo mundo, tanto no âmbito da Justiça do Trabalho quanto no campo do contencioso tributário.
Aqui no Brasil, o que já era anacrônico pode agora ganhar ares de surrealismo. As maiores empresas, que sempre influenciaram as confederações na indicação dos conselheiros do CARF, passarão a ter poder absoluto sobre a interpretação da legislação tributária. Baseado em um falso in dubio pro contribuinte, previsto no artigo 112 do Código Tributário Nacional (CTN), entregou-se nas mãos de um grupo especial de autuados pela Receita Federal o deslinde dos seus recursos no CARF. A premissa é falsa porque o artigo 112 refere-se à dúvida quanto à infração, não quanto à ocorrência do fato gerador e à consequente exigência do crédito tributário principal.
Vale lembrar que parte representativa dos autos de infração (cerca de 27%) possui Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) por indícios de cometimento de crimes de sonegação, lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas, dentre outros crimes financeiros correlatos. Uma vez decidido o empate, pelo voto em bloco dos conselheiros dos contribuintes, não apenas a autuação fiscal será afastada, mas a RFFP jamais chegará ao conhecimento do Ministério Público Federal, matando na raiz a investigação de inúmeros crimes.
Exemplos concretos – O doleiro Alberto Youssef teve dois recursos julgados pelo CARF, em 2018 (processos 10803.720060/2015-45 e 19515.720502/2016-54), ambos decididos, no mérito, por voto de qualidade.
Ainda no âmbito da Lava Jato, inúmeras empresas só foram condenadas no CARF graças ao voto de qualidade da Fazena Pública. Exemplos notórios são a empreiteira Mendes Junior (processos 16004.720203/2015-19 e 16004.720286/2016-19) e a empresa do publicitário João Santana, a Polis Propaganda & Marketing Ltda (processo 10580.723816/2017-31). Vale citar ainda um dos condenados como operador de propinas na Petrobrás, Paulo Roberto Gomes Fernandes (processo 18088.720259/2017-70).
As autuações sobre esses personagens, bem como as representações fiscais que permitiram investigações contra eles, seriam todas anuladas se a regra aprovada pelo Congresso, e agora pendente de sanção do presidente da República, já estivesse valendo.
O despacho do Ministro da Justiça, referenciando a nota da Receita Federal, apontou ainda que: “Com efeito, registre-se que ainda serão julgados pelo CARF em torno de 300 (trezentos) processos oriundos da Operação Lava Jato. Em 1ª Instância administrativa, o resultado a favor da Fazenda Nacional dos processos julgados até o momento relativos à referida operação foi da ordem de cerca de R$ 11 bilhões (onze bilhões de reais). Os resultados a favor dos contribuintes foram de cerca de R$ 560 milhões (quinhentos e sessenta milhões de reais). Saliente-se que a imensa maioria desses processos é objeto de representação fiscal para fins penais. Ou seja, uma alteração tão significativa na forma de julgamento dos processos no CARF pode ferir de morte o esforço do Estado Brasileiro na luta contra a corrupção no país.”