PLS 280/17: delegar fiscalização é precedente perigoso para Classe
O plano de desmonte do Estado parece não ter fim. A todo momento, projetos de lei brotam no Congresso Nacional com propostas que, na realidade, entregam a Administração Pública à iniciativa privada. Com o argumento da insuficiência de pessoal para garantir a presença do Estado pelo território nacional, na quinta-feira (17/08), o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) apresentou o Projeto de Lei (PLS 280/17), que “estabelece diretrizes e requisitos para a delegação, no âmbito da Administração Pública Federal, do serviço público de fiscalização administrativa a particulares”.
No inciso V, art. 2º do PLS 280/17, é previsto o licenciamento de “atividade fiscalizatória”. Já o art. 6º da proposta delimita a delegação ao contrato de concessão de serviço público, precedida de licitação, ressalvados os casos legais em que se designa agente delegado de entidade de classe ou se atribua essa condição a integrantes de categoria econômica ou profissional. Ou seja, para que ocorra essa concessão é preciso que haja uma licitação e um contrato.
Na justificativa do projeto, o senador Anastasia refere-se à ausência do Estado em setores como fiscalização de trânsito (muitos acidentes); vigilância sanitária (proliferação do mosquito); autos de vistorias de imóveis (tragédia da boate Kiss, de Santa Maria); fiscalização minerária do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM (tragédia de Mariana).
Embora o Sindifisco Nacional entenda que o animus da elaboração do projeto não tenha sido a atividade fiscalizatória tributária de forma específica, a própria nomenclatura “atividade fiscalizatória” não exclui explicitamente das atividades fiscalizáveis a delegação da fiscalização tributária. Em outras palavras, dependendo da interpretação daqueles que analisarão o projeto ou das intenções dos que atuarão sobre ele, há o risco de um entendimento que a delegação poderia englobar também o trabalho fiscalizatório desenvolvido por Auditores Fiscais da RFB (Receita Federal do Brasil).
Por outro lado, é imprescindível lembrar que a atividade fiscalizatória é, por sua natureza, típica e exclusiva de Estado. No âmbito da fiscalização tributária e aduaneira, além de típica e exclusiva, a atividade é, pela exata dicção constitucional, essencial à manutenção (sustento) do próprio Estado e de seus três Poderes; é passível de ser exercida somente por autoridades tributárias e servidores específicos (isto é, não por todos os servidores públicos, ainda que concursados, mas apenas por aprovados em concursos específicos para a atividade); e possui precedência constitucional sobre os demais setores e atividades. Tudo isso é o que claramente se infere do prescrito na Constituição da República, art. 37, incisos XVIII e XXII.
A Classe tem acompanhado com espanto reiteradas medidas (algumas tentadas, outras consumadas), que mitigam a importância do serviço público e de suas autoridades e servidores, a exemplo do que ocorreu com a tentativa de esvaziamento das prerrogativas da Classe no famigerado PL (Projeto de Lei) 5864/16.
No caso em tela, há uma enorme preocupação com a segurança da fiscalização, porque atividade fiscalizatória significa “pessoas fiscalizando, ou investigando, se outras pessoas cumprem ou não a lei”. Ora, independentemente de qual seja a espécie de lei a que se refira uma atividade fiscalizatória, certo é que o poder econômico, e as regras das empresas e dos negócios privados, não podem reger ou ser impostas aos que fiscalizam ou investigam, sob pena de tal ambiente propiciar o óbvio ululante: que aquelas pessoas que detenham maior poder econômico ou político obtenham também “imunidade à fiscalização”.
O Sindifisco Nacional vê tal proposta com receio de que a medida propicie que determinados setores escapem da fiscalização ou da investigação facilmente. Afinal, se a fiscalização é controlada pelo poder econômico, pelas empresas (caso de terceirização), quem o detém não precisará se preocupar em cumprir a lei. E, no Brasil, as leis ainda são de caráter permanente, coletivo e geral, devendo valer para todos.
Exemplo clássico e geral desse conflito de interesses entre os que detém o poder econômico, e por consequência, o político, é que em quase 30 anos da ordem constitucional instaurada no Brasil (em 1988), ainda nem sequer se regulamentou a precedência, as garantias e as prerrogativas necessárias a que as autoridades tributárias cumpram seu dever – que é a fiscalização por excelência.
Com isso, o Sindifisco Nacional acredita que uma proposta como o PLS 280/17 surge para criar ainda mais um impasse, num cenário político e econômico frágil, devendo ser combatida com força pela categoria desde já.
Esse projeto embute "potenciais riscos" para a fiscalização tributária, não de forma explícita, mas nas suas entrelinhas. Essa percepção se agrava em razão dessa conjuntura, permeada também pela linha ideológica de um governo que visa privilegiar o mercado e o setor privado, diminuir o Estado e, consequentemente, desvalorizar o seu maior mandatário: o servidor público.
Os possíveis desdobramentos nocivos desse PLS para a atividade fiscalizatória tributária, no médio e/ou no longo prazo, são incalculáveis. Por essa razão (e de forma proativa), é que o Sindifisco Nacional rejeita, sobretudo, o princípio que permeia esse projeto: o enfraquecimento do Estado e do servidor público.