Sigilo Fiscal: seminário debate LOF e lei paulista de conformidade tributária

O seminário "O Sigilo Fiscal no Brasil", iniciado na segunda-feira de manhã (18/6), no IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), em Brasília (DF), foi retomado no período da tarde com as discussões sobre a Lei de Transparência e Conformidade Tributária, que vigora em São Paulo desde o dia 6 de abril (Lei Complementar 1.320/18). O evento, promovido pelo Sindifisco Nacional, prossegue até terça-feira (19/6), com debates sobre a LOF (Lei Orgânica do Fisco), o Jubileu da Receita Federal Cidadã, a repercussão do trabalho do Auditor Fiscal perante a sociedade e o alcance do artigo 198 do CTN (Código Tributário Nacional) – que impõe o sigilo sobre as informações fiscais dos contribuintes – do auto de infração ao contencioso administrativo.

O debate sobre a Lei da Transparência dos Critérios de Conformidade Tributária foi aberto pelo expositor Rogério Ceron de Oliveira, mestre em economia pela Unicamp e secretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico de São Paulo – um dos responsáveis pela aprovação da LC 1.320/18. O convidado explicou que a lei representa uma quebra de paradigmas, ao trazer, como princípio, um ambiente de confiança recíproca entre o fisco e o contribuinte, criando níveis diferenciados para concessão de benefícios ou aplicação de restrições.

Rogério Ceron disse que, logo que anunciada, a lei provocou reações negativas de ambos os lados e que foi preciso muito diálogo para que tanto a Secretaria de Fazenda quanto os contribuintes assimilassem o teor assertivo da medida. “Acho que, no fundo, o projeto acabou chegando nisso: um tratado de gestão tributária olhando para o futuro”, comentou o secretário. Como inovação, a LC propõe a simplificação do sistema tributário estadual, a boa-fé, a segurança jurídica (aplicação da legislação tributária), a publicidade e transparência das informações e a concorrência leal entre os agentes econômicos. Para dar mais segurança aos contribuintes, a regulamentação foi iniciada pelos benefícios concedidos aos bons pagadores, e não pelas formas de cobrança de débitos.

A lei foi elogiada pelo advogado especializado em Direito Tributário, Luiz Roberto Peroba, que enfatizou o alinhamento da LC às tendências das administrações tributárias modernas, especialmente de países europeus e dos Estados Unidos. No mesmo sentido, o advogado e professor de Direito Tributário da USP (Universidade de São Paulo), Paulo Ayres Barreto, enfatizou que “a mudança de paradigma vai ao encontro de tudo aquilo que a academia reclama”, por implantar mecanismos de colaboração em um ambiente onde ainda vigora a insegurança jurídica. “O fato é que, hoje, não existe sensação de lealdade entre fisco e contribuinte”, afirmou. “É preciso que o contribuinte tenha uma segunda chance, uma oportunidade de corrigir um erro”.

Também integrante da mesa, o professor de teoria política da FGV (Fundação Getúlio Vargas), José Garcez Ghiraldi, observou que a concepção e a aprovação da LC 1.320 somente foi possível considerando um “horizonte de olhar” que contempla os malefícios da ditadura militar, especialmente no que tange à falta de transparência, e, na outra ponta, à atual “sociedade do espetáculo”, onde tudo se registra e tudo se publica. “Nós somos uma sociedade que não quer o regime militar de exceção e fechamento, mas, ao mesmo tempo, vê os perigos do futuro, na questão do tráfego de informações de todos para todos”, explicou. Nesse contexto, e considerando o exemplo até então modelar da LC paulista, o professor enfatizou que a administração tributária deve ser pautada pela transparência, com regras clara e certeza de cumprimento dessas regras por todos os agentes envolvidos.

LOF – No último painel do primeiro dia do Seminário, o professor de Direito da USP, Celso Fernandes Campilongo, fez uma explanação sobre a tema “Transparência, Força Institucional e Estratégias para uma Lei Orgânica do Fisco”, apresentando sua visão sobre o contexto econômico e sociológico em que se coloca a necessidade da LOF. Argumentou, como premissa, que a intervenção do Estado no domínico econômico não vai de encontro ao capital, mas que é uma exigência do próprio capital. Sobre essa intervenção e o papel do Estado na fiscalização da atividade econômica, disse que o princípio da legalidade deve sempre estar atrelado a outros dois princípios fundamentais. “A lógica do Estado de Direito não é a lógica do segredo; é a lógica da transparência e da publicidade”, comentou.

Campilongo afirmou que a LOF concentra três macro desafios (grandes números, “matéria de elevadíssima complexidade” e futuro incerto) e que é preciso, para se pensar a lei, considerar elementos importantes, como ordenamento jurídico, concepção de legalidade, regras e tributos. “Eu acho que um fisco moderno, do Século XXI, tem que se preocupar com algo que nos dois últimos séculos não se preocupou: a aderência ao caso e as consequências sociais, políticas e econômicas da atuação do fisco”, declarou. Por fim, o palestrante disse que os Auditores Fiscais integram uma “carreira fundamental para uma economia de mercado moderna” e que “a atualização da máquina tributária é absolutamente indispensável”.

Ao tomar a palavra, a mestranda em Direito pela FGV, Lina Braga Santin, reforçou que a autoridade do Auditor Fiscal deve ser exercida por meio da transparência e da publicidade, o que vai na contramão do sigilo fiscal imposto aos Auditores. “O fiscal é a voz da legalidade”, declarou a debatedora. “Sendo limitado pelo sigilo, esse papel de voz da legalidade é muitas vezes diminuído, ficando à mercê de interesses políticos e arrecadatórios do Poder Executivo”, complementou. Para Lina Braga, uma abertura maior das informações fiscais seria uma forma de “valorizar a figura do Auditor”.

Autonomia – Último debatedor a se pronunciar, o diretor secretário do Sindifisco Nacional, Auditor Fiscal Pedro Egídio de Oliveira, afirmou que a Lei Orgânica do Fisco defendida pelo Sindicato, a despeito das questões socioeconômicas profundas elencadas pelo professor Celso Campilongo, é uma “proposta de obviedades”, que se baseia em questões “singelas”, porém extremamente relevantes, como a autonomia funcional, o livre acesso e a capacidade de exercício da autoridade fiscal. “Como a gente vai defender uma atuação eficiente dessa autoridade fiscal se sequer o Auditor da fiscalização ou do despacho aduaneiro tem autonomia para exercer suas convicções?”, questionou o diretor, ao criticar a “cadeia de hierarquia administrativa” existente na RFB (Receita Federal do Brasil).

“Caminhar no sentido de uma lei orgânica não é caminhar no sentido de prerrogativas e garantias meramente corporativistas, mas sim de uma lei com princípios republicanos”, acrescentou Pedro Egídio. “Acredito que devemos enxergar uma LOF que dê, sim, garantias ao papel do Estado, mas que também possa facilitar, para o contribuinte, o exercício da legalidade”, concluiu.

Ao final das apresentações de cada tema, os participantes do seminário puderam fazer perguntas e sanar dúvidas, sobre o sigilo fiscal e o sistema tributário, com todos os debatedores. Além do diretor Pedro Egídio, a DEN (Diretoria Executiva Nacional) foi representada pelos Auditores Fiscais Claudio Damasceno (presidente do Sindifisco), Maria Cândida Capozzoli e Luiz Henrique Franca (vice-presidentes), Rogério Calil (secretário-geral), César Araújo Ramos (diretor de Administração e Finanças) e Devanir Oliveira (diretor de Assuntos Parlamentares).

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