Lacunas na Lei 8.112 e validade de provas são atacadas em evento
"O ditoso ambiente da segurança jurídica no direito disciplinar-improbidade administrativa" foi o tema explorado pelo mestre em Direito Público pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e doutor em direito pela Universidad Complutense de Madrid, Fábio Medina, nessa terça-feira (22/3), em Belo Horizonte, durante o último dia do seminário sobre PAD (Processo Administrativo Disciplinar).
O palestrante se disse surpreso com a inserção na MP (Medida Provisória) 507/10 das hipóteses de demissão no cometimento do ilícito pelo Auditor-Fiscal. “Ora, isso já estava tipificado pela Lei 8.112. Ver isso na MP 507/10, me levou a pensar se isso não geraria controvérsias no meio jurídico. Felizmente, isso foi retirado da MP, e ela, sequer, prosperou”, afirmou Medina.
O doutor, polemicamente, chamou a atenção para manobras de governo, que, a pretexto de enxugamento da máquina pública e até mesmo de engrandecer estatísticas de medidas anti-corrupção em sua gestão, demitem irresponsavelmente levas de servidores.
A validade da prova foi alvo de críticas do palestrante. “Eu tenho clientes que estão sendo monitorados há quatro anos, por interceptação telefônica. Como é que essa prova é renovada automaticamente sem fundamentação”, questionou Fábio Medina. “É preciso avaliar todos os vetores, o Auditor-Fiscal também tem direito a errar, os erros não podem desembocar em improbidade administrativa”, opinou o palestrante.
Em seguida, o advogado, professor e especialista em Direito Disciplinar Sebastião Lessa falou aos Auditores-Fiscais e distribuiu robusto material sobre o PAD. “A impunidade é mais grave que a corrupção no serviço público. Mas fiz um levantamento do que pode causar a nulidade do processo disciplinar e, a meu ver, o maior problema desses processos está na produção da prova”, afirmou Lessa.
Para ele, a demissão proveniente de um processo administrativo é, praticamente, e muitas vezes, uma pena de morte. Ele corroborou as denúncias do presidente do Sindifisco Nacional, Pedro Delarue, de que muitas reintegrações são feitas após a morte da pessoa. “Eu já testemunhei um caso desses. O servidor público teve um derrame enquanto respondia a um PAD e quando foi inocentado e reintegrado já estava morto”, denunciou o palestrante.
“Houve um tempo em que a comissão já saía pronta para demitir o servidor, não era para apurar o fato”, denunciou o especialista. Ele ainda aconselhou que as defesas, antes de rebater o mérito, devem apresentar preliminares sobre o procedimento.
O palestrante, que foi corregedor durante quatro anos, coordenador de disciplina e é delegado aposentado, apelou às comissões de processos administrativos disciplinares por mais cautela. Ele ratificou a preocupação do palestrante Medina sobre o uso indiscriminado da interceptação telefônica.
“Quando se faz uma intercepção telefônica, é preciso que seja submetido um relatório ao Ministério Público e ao juiz. Não se pode sair ‘escutando’ e prendendo ninguém assim como se tem feito”, disse Lessa se referindo a casos de prisão de alguns Auditores-Fiscais por engano, devido ao uso indevido de interceptação telefônica, mencionados por Pedro Delarue, na abertura do evento, na segunda-feira (21/3).
Os palestrantes foram unânimes em pedir sensibilidade, sob pena de se engessar o serviço público, porque estarão todos os servidores amedrontados sob o véu da acusação de improbidade administrativa.
Coordenaram a mesa, o secretário-geral do Sindicato, Cláudio Damasceno, que endossou as palavras do presidente Pedro Delarue de que o objetivo do seminário não é enfraquecer a Corregedoria, nem se colocar contra os processos disciplinares, mas aperfeiçoá-los para que o fator injustiça sequer se configure. Secretariou a mesa o presidente da DS/Foz do Iguaçu, Mario Bruno de Souza Machado.
Dentro do painel "A Lei 8.112 e sua Aplicação Prática", o advogado e especialista em Direito Administrativo Mauro Gomes de Mattos chamou a atenção para dificuldade em julgar. “Se essa é uma tarefa difícil para o magistrado preparado, imagine um Auditor julgando um colega”, alertou o advogado.
O especialista contou alguns casos de PAD sob sua defesa e destacou alguns pontos polêmicos, como o prazo prescricional. Além de atacar duramente a injustiça de um inocente que sofre com um PAD. “Em alguns casos, a absolvição não serve para o homem de bem. Só o fato de se instaurar um PAD, para ele e para família, já é uma condenação”.
O advogado ainda elencou alguns casos de PAD instaurados contra magistrados para demonstrar que a injustiça em processo administrativos disciplinares não acomete somente Auditores-Fiscais. Para Mattos, aqueles que tiverem “absurdamente” a aposentadoria cassada proveniente de um PAD devem ter a restituição de toda contribuição à Previdência.
“Além desse ponto que precisa ser revisto na Lei 8.112, outro ponto que ataco é o fato de o demitido, por conta de um PAD, não poder prestar concurso público para outro órgão. Está errado”, defendeu Mauro Gomes.
O painel contou também com a explanação do advogado, credenciado pelo programa da AJI (Assistência Jurídica Individual) do Sindifisco, e especialista na área de Direito Penal-Administrativo Maurizio Colomba, que, a exemplo de outros palestrantes, atacou duramente a má utilização das escutas telefônicas.
“É não raramente ilegal, inconstitucional e abusiva a utilização de escutas telefônicas em processos disciplinares instaurados na Receita Federal do Brasil, muitas vezes em caso que o referido indício de prova sequer foi considerado relevante ou lícito numa ação penal anterior”, resume o advogado Maurizio Colomba.
A finalização do evento sobre o PAD, em Belo Horizonte, ficou a cargo do diretor de Assuntos Jurídicos do Sindifisco Nacional, Wagner Vaz. O sindicalista iniciou sua explanação comentando alguns desfechos de casos de Auditores-Fiscais que respondiam a PAD defendidos por Maurizio Colomba.
“O Sindicato foi a primeira entidade a apoiar a criação da Corregedoria. Não temos dúvidas de que uma Classe funcional bem estabelecida deve ser livre de atos desabonadores, por isso defendemos uma Corregedoria forte e independente. E promovemos seminários como este por conta, principalmente, da constatação de abusos e excessos cometidos na instauração de alguns PAD, inclusive com a participação indevida de elementos integrantes da própria administração da Receita”, explicou o diretor.
Para ele, o afã de produzir resultados leva algumas comissões de PAD a exageros que podem valer a vida de muitas pessoas. “Temos que abordar esses desvios da Corregedoria. Sabemos que essa instância não trabalha sob a pressão de metas, mas será que não trabalha sob outro tipo de pressão”, refletiu.
Wagner Vaz falou da aberração de aberturas de PAD contra Auditores-Fiscais que se ausentaram da repartição sem autorização prévia e atacou a Lei 8.112. “É imprestável e vem com o ranço da ditadura militar. Autoridades de Estado como os Auditores-Fiscais precisam é de uma Lei Orgânica do Fisco razoável”, atestou.
Coordenaram a mesa Décio Bruno e Olga Carvalho, ambos da DS/Belo Horizonte. O evento foi encerrado pela presidente da DS/Belo Horizonte, Adelaide de Macêdo, e pelo vice-presidente do Sindifisco Nacional, Sérgio Aurélio, que reafirmaram o objetivo do Sindicato de contribuir para o aperfeiçoamento da atuação da Corregedoria.
Sérgio Aurélio ainda disse que o Sindicato teve a preocupação de ampliar a discussão e trazer também a visão do Escor. E insistiu que a Classe deve fazer parte da escolha dos dirigentes da Receita Federal do Brasil e da Corregedoria.