Seminário na DS/RJ: debatedores denunciam que assédio moral é usado como ferramenta de controle no serviço público

“Gerencialismo e Assédio Moral na (Des)Construção do Estado Brasileiro” foi o tema do segundo painel do seminário “Assédio Moral e Gerencialismo no Serviço Público – A Receita Federal no contexto de desconstrução das instituições de Estado” realizado na sede da Delegacia Sindical do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (7). O evento foi promovido pela Direção Nacional em parceria com a DS.
O professor José Roberto Montes Heloani (Unicamp), um dos precursores do debate sobre assédio no Brasil, abriu a discussão explicando que existem casos patológicos de necessidade de demonstração de poder, mas isso não seria a regra. Para ele, o assédio não se resume em uma luta de uma pessoa contra outra, é algo mais amplo. No caso do serviço público brasileiro, as diversas reformas no Estado, com o objetivo de precarizar o serviço público, têm contribuído para o assédio nas repartições públicas.
Heloani destacou que um dos argumentos comuns para os ataques ao serviço público é o tamanho da máquina pública e o seu custo. No entanto, segundo ele, dados da Unesco revelam que países desenvolvidos têm muito mais servidores que o Brasil. Só para se ter uma ideia, mais de 15% da população dos EUA trabalha no setor público, percentual que na França chega a 21,4% e na Noruega, 30%. Em contrapartida, os servidores públicos correspondem a 1,6% da população brasileira. “Onde está o inchaço da máquina pública? Isso é fake news, e as pessoas acreditam nessa mentira”, rebateu.
Metas impossíveis de serem cumpridas seriam responsáveis pelo assédio na visão do estudioso, fazendo com que as pessoas enxerguem os colegas como rivais. De acordo com ele, negros, mulheres e a população LGBTQIA+ sofrem mais assédio que outros segmentos da população. Nesse contexto, o trabalho, que poderia trazer felicidade, adoece e, em casos extremos, mata.
O professor defende que o assédio não é apenas uma questão ética e moral, mas também jurídica, e combater essa prática no serviço público é uma forma de proteção do erário, possibilitando que os recursos públicos sejam utilizados para os fins corretos. Portanto, associações e sindicatos, como o Sindifisco Nacional, devem estar à frente dessa luta. “Quem se cala não é só conivente, mas pode no futuro vir a ser vítima do assédio”, afirmou.
Assédio enquanto método

O diretor de Relações Internacionais e Intersindicais, Auditor-Fiscal Dão Pereira dos Santos, considera que o assédio moral é um método de determinados tipos de administração que considera bom gestor aquele que provoca desconforto no servidor e se baseia no gerencialismo importado da iniciativa privada, implementado pelos neoliberais em oposição ao Estado de bem-estar.
Na avaliação de Dão Real, o gerencialismo provoca uma segmentação do trabalho, fazendo com que o Auditor-Fiscal perca a conexão entre o cumprimento da meta e a finalidade institucional do órgão. Sem essa conexão se torna impossível ter a segurança de que as ações desenvolvidas não têm como objetivo atender interesses privados.
“Enfrentar o gerencialismo é condição importantíssima para sermos servidores respeitados como autoridade. Não por questão de gosto. Mas porque a sociedade reconhece a importância de sermos autoridades. Se esquecermos a lei e a Constituição e nos contentarmos em seguir manuais, vamos comprometer o futuro do cargo”, pontuou.
O diretor do Sindifisco defende que ter Auditores como autoridades é importante para que haja justiça fiscal, para que a fiscalização não seja usada para perseguir “inimigos” e para que a máquina pública não esteja a serviço de interesses privados. “Nossa autoridade hoje é mitigada porque aceitamos as regras do gerencialismo, típicas do Estado mínimo”.
Assédio institucionalizado
O Auditor-Fiscal Cleber Magalhães, diretor de Assuntos Jurídicos do Sindifisco Nacional e vice-presidente da DS/Rio de Janeiro, é autor de uma dissertação de mestrado sobre assédio moral na Receita Federal. Para ele, o assédio é um instrumento para fazer o servidor trabalhar cada vez mais e sem conexão com a finalidade da ação. Nesse cenário, seria comum as vítimas se sentirem culpadas pela violência sofrida.
Cleber ressaltou que existe um projeto de lei contra o assédio em tramitação desde 2001 no Congresso Nacional. Só em 2019, a proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados e ainda está parada no Senado. Para ele, a demora em se apreciar a matéria seria resultado da pressão de grandes empresas temerosas dos prejuízos que uma lei desse tipo poderia representar para elas no âmbito do Judiciário.
Finalizando sua apresentação, o Auditor provocou a plateia questionando se o assédio na Receita Federal está institucionalizado, o que foi uma das conclusões da banca examinadora da sua dissertação.
Caso concreto
Nory Ferreira, diretora de Defesa Profissional, revelou ter sido vítima de assédio na Receita Federal, um processo tão violento que a fez pensar inúmeras vezes em suicídio. “No meu caso, era uma ferramenta de gestão, verticalizada, que veio de cima porque eu era direção do sindicato. Era uma forma de me fragilizar e fazer todos os outros andarem na linha”, relatou.
A diretora avalia que a concentração do poder decisório nos cargos de livre nomeação contribuiu para que o Auditor-Fiscal perdesse conexão com o trabalho, gerando um intenso sofrimento. Para ela, encontrar sentido no trabalho é o primeiro passo para ser feliz na vida profissional.
Nory também classificou como assédio a falta de mobilidade da carreira, o que obriga Auditores-Fiscais a viverem anos em áreas de fronteira, sem perspectiva de remoção, em função da falta de ingressos.
A diretora encerrou sua fala incentivando os colegas que estão sofrendo por qualquer motivo a procurar o sindicato para que sejam estudadas formas de solução do problema, seja administrativa ou juridicamente.