Seminário discute ilícitos tributários e atuação do Coaf
O seminário “A sonegação fiscal como crime antecedente à lavagem de dinheiro” foi retomado nesta quarta a tarde (27), com uma palestra ministrada pelo investigador Paul Khan, do Reino Unido, e o painel “Vantagem econômica dos ilícitos tributários e a lavagem de dinheiro”, mediado pelo subsecretário de fiscalização da Receita Federal Iágaro Martins.
Na abertura da palestra, o investigador sênior do Serviço de Procedimentos Criminais e Investigação de Fraudes da Receita e Aduana do Reino Unido (HMRC) citou a atuação da agência, que conta com 59 mil funcionários, sendo cerca de 5 mil na área de fiscalização e investigação tributária. O trabalho do fisco britânico resultou, nos últimos anos, numa arrecadação anual de 94% dos impostos devidos.
Paul Khan explicou que, no Reino Unido, os crimes financeiros podem ser tratados nas esferas civil e criminal, a depender de três fatores: a proporção, o interesse público e a forma mais efetiva de recuperar os recursos. Dessa forma, os crimes de menor potencial ofensivo – tanto de sonegação quanto de lavagem de dinheiro – podem ser encerrados na esfera cível. Em todos os casos em que a atividade da pessoa física ou jurídica for ilícita, no entanto, os processos são tratados judicialmente.
O palestrante disse que o Reino Unido não tem lei específica que condicione a lavagem de dinheiro à sonegação e que a pena também é diferenciada para ambos os delitos. A lei prevê até 14 anos de prisão para o crime de lavagem de dinheiro e pode chegar a prisão perpétua para a sonegação. Khan reiterou, contudo, que na maioria dos casos “o caminho não é o criminal”. Entre as opções de recuperação dos créditos no âmbito administrativo, de acordo com o Código de Práticas nº 9 da Investigação Civil de Fraude Fiscal do Reino Unido, está a possibilidade de bloqueios de bens e até o confisco de futuros salários do contribuinte, mediante a confissão do delito fiscal e uma espécie de “delação” de todos os envolvidos.
Vantagem econômica – No último painel do seminário, o chefe da Divisão de Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Federal, Allan Dias Simões Maia, afirmou que a PF considera os crimes contra a ordem tributária gravíssimos, devido ao devastador impacto nos investimentos em infraestrutura, saúde e educação. “A falta de arrecadação vai gerar carência em toda a estrutura do Poder Público”, pontuou.
O delegado criticou o entendimento da Súmula Vinculante 24, do Supremo Tribunal Federal, de que o crime tributário só pode ser tipificado depois do lançamento definitivo do crédito – ou seja, depois de esgotado o processo administrativo da Receita Federal – o que acaba por impedir, também, a tipificação do crime de lavagem de dinheiro derivada do antecedente de sonegação. Allan Dias contou que, depois da edição da súmula, houve uma grande redução – de 22 mil para 16 mil – no número de inquéritos instaurados pela PF, o que representa efetiva diminuição da repressão aos crimes contra a ordem tributária. O delegado externou que as investigações de lavagem de dinheiro não podem aguardar o encerramento da discussão administrativa sobre a sonegação, na origem, sob pena de perdimento de provas imprescindíveis ao processo. A doutrina da Polícia Federal sugere que ambos os crimes sejam investigados de forma simultânea e paralela, a exemplo do que vem ocorrendo nas grandes operações anticorrupção.
O Auditor-Fiscal da Receita Roberto Leonel de Oliveira Lima, por sua vez, citou o entendimento da OCDE de que a lavagem de dinheiro “é uma grave ameaça para a economia legal”, que a fraude fiscal é uma das principais origens do dinheiro sujo e que, diante disso, as autoridades tributárias “desempenham papel fundamental na detecção e identificação não só de crimes fiscais, mas também de lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros”.
Nesse contexto, o Auditor citou a “amplitude das atribuições” da Receita Federal, o que inclui o cruzamento de dados econômico-tributários e a troca de informações interna e externa. Usando a Lava Jato como exemplo, Roberto Leonel detalhou o fluxo de trabalho da operação conjunta para demonstrar a essencialidade da atuação da Receita Federal no combate à corrupção e aos crimes correlatos. Mostrou, com isso, que a sonegação está intimamente ligada à ocultação de bens, à lavagem de dinheiro e ao enriquecimento ilícito.
Atuação do Coaf – Também integrante do painel, o presidente da Unidade de Inteligência Financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Ricardo Liáo, comentou a atuação institucional do Coaf, sobretudo depois de a Lei 12.683/12 eliminar o rol de crimes considerados antecedentes à lavagem de dinheiro – criado pela Lei 9.613/98 – o que possibilitou o enquadramento da sonegação, também, como precedente. A partir de então, cresceu o número de relatórios encaminhados pelo Coaf aos órgãos de fiscalização, entre eles a Receita Federal. Somente em 2018, dos 7.200 relatórios de inteligência financeira produzidas pelo Conselho, 1.152 foram destinados à Receita para a devida apuração de crimes tributários.
Como agentes públicos influentes também acabaram sendo alvo de investigação, a Receita Federal e os Auditores-Fiscais passaram a sofrer diversos ataques nos últimos meses e, paralelamente, houve a transferência do Coaf do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o Ministério da Economia. Ricardo Liáo se disse contrário à transferência mas afirmou que a sociedade deve ficar tranquila com relação à atuação séria e independente do Coaf, que deverá manter-se alinhada às suas diretrizes.
O painel foi encerrado pelo desembargador federal I’talo Mendes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que considerou o tema do debate “rico” por trazer “diversas concepções ideológicas sobre o papel do Estado”. O magistrado fez uma leitura da sonegação e da lavagem de dinheiro sob a ótica dos princípios éticos da justiça, da igualdade e da solidariedade. “A procura pela vantagem pessoal é mesmo o oposto de toda a manifestação de justiça”, citou I’talo Mendes.
Nos dois períodos iniciais, o seminário promovido pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), com apoio do Sindifisco Nacional, também discutiu, entre outros temas, “a autonomia do crime de lavagem de dinheiro” e a sonegação como crime antecedente, em palestra proferida pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal.
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