Seminário: Auditores-Fiscais debatem contexto histórico que deu origem ao gerencialismo na Receita Federal e suas consequências

Um retrospecto histórico e econômico do Brasil da origem colonial até os dias atuais com foco na realidade do serviço público. Assim pode ser resumido o painel que abriu o seminário “Assédio Moral e Gerencialismo no Serviço Público – A Receita Federal no contexto de desconstrução das instituições de Estado”, promovido pela Direção Nacional em parceria com a Delegacia Sindical do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (7), na capital fluminense.
Os professores Juliane Furno (Unicamp/Uerj) e João Cezar de Castro Rocha (UERJ) foram os palestrantes convidados para o painel “Panorama Socioeconômico e Desafios de Reconstrução do Estado brasileiro”, que também teve a participação do primeiro vice-presidente do Sindifisco Nacional, Auditor-Fiscal Tiago Barbosa, e do diretor de Assuntos Jurídicos e vice-presidente da DS, Auditor-Fiscal Cleber Magalhães.
Diagnóstico
A doutora em economia apontou a necessidade de se fazer um diagnóstico do cenário do país após os quatro anos do governo Bolsonaro para a partir daí traçar os caminhos objetivos a serem seguidos na sua reconstrução. Para isso, Juliane Furno fez um resgate histórico da origem do Brasil, desde o período colonial até a implementação do neoliberalismo.
Na avaliação dela, o crescimento real do salário-mínimo vivenciado no país durante os governos do PT – associado à queda de produtividade e redução dos lucros da elite no segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, e, consequente, descontentamento dessa mesma elite – foi determinante para a escalada da extrema direita no país.
Reconstituir a capacidade de pensar o Brasil do futuro num país com 100 milhões de pessoas que não comem todas as refeições diariamente e com 30 milhões de desempregados, desalentados e desocupados é o principal desafio apontado pela estudiosa. “Ou a gente dá um salto na estrutura produtiva, se reindustrializa, inclusive pensando na mudança da matriz energética, ou vamos estar vulneráveis a outros golpes”, concluiu. Para Juliane, os sindicatos terão um papel primordial nessa mudança.
Dissonância Cognitiva Coletiva
João Cezar de Castro Rocha destacou o cenário vivenciado no Brasil desde a conclusão do segundo turno das eleições presidenciais. “Há 36 dias, centenas de pessoas estão acampadas por todo o país, pedindo ditadura. Não existe nada igual no Século XXI”, avaliou.
O comportamento é classificado pelo professor como “dissonância cognitiva coletiva”. “É como o médico que é tabagista. Apesar de saber os malefícios, ele fuma”, exemplificou. De acordo com ele, todas as pessoas têm um grau de dissonância cognitiva e se alimentam de informações que amenizem a distância entre o conhecimento e a prática conflitante.
No entanto, no Brasil atual, uma “midiosfera extremista” composta por correntes de WhatsApp e canais de YouTube tem alimentado o comportamento de quem pede a volta da ditadura e vive dia após dia esperando cumprimento de “profecias” que nunca se realizam, mas mantêm a crença e ratificam o comportamento.
Origem do gerencialismo

Cleber Magalhães abordou a origem do gerencialismo na Receita Federal. Historiador de formação, o Auditor-Fiscal lembrou o surgimento do “Fordismo”, nos EUA, no início do Século XX, visando ao aumento da produção. O modelo oferecia o dobro da remuneração e, em contrapartida, exigia um comportamento padrão do trabalhador que precisava “vestir a camisa” da empresa.
O diretor de Assuntos Jurídicos destacou que depois de se disseminar pelo mundo, após a Grande Depressão, em 1929, o Fordismo foi substituído pelo “Pós-Fordismo”, que hoje é observado em órgãos como a Receita Federal. Nesse modelo, o “sistema” estabelece as metas a serem cumpridas e não mais o chefe. Bem como práticas da iniciativa privadas foram incorporadas à administração pública.
“O Auditor-Fiscal não pode mais usar a criatividade para buscar o que é o melhor. Anos atrás, o Auditor padrão era aquele que lançava autos de infração de R$ 1 bilhão. Agora, é quem cumpre as metas”, criticou.
Segundo ele, a nova realidade tem gerado um ambiente hostil de trabalho, causando inúmeros casos de depressão. “Hoje, as pessoas não se reconhecem no trabalho e preferem se aposentar”, concluiu.
Ataques sistemáticos
Para Tiago Barbosa, na origem desse mal-estar que hoje acomete os Auditores-Fiscais, estão os ataques sistemáticos ao serviço público, tendo como base os três critérios que diferem o servidor público e o trabalhador da iniciativa privada: a dignidade do servidor em relação ao poder instituído, a previsibilidade em relação ao tempo e a tranquilidade em relação ao dinheiro.
O vice-presidente do Sindifisco acredita que as metas, associadas a comparações equivocadas sobre o serviço público e a iniciativa privada, geram um sentimento de rejeição entre os próprios servidores.
“Invariavelmente, quando se procura regular uma relação social a partir de uma métrica que não se aplica, essa métrica tende a perverter a relação social que pretendia regular. Esse é o efeito imediato desse tipo de distorção que é política e institucional”, avalia.