Segundo Guedes, Cintra teria previsto fim da Receita Federal

Na última sexta-feira (26), o ministro da Economia, Paulo Guedes, esteve reunido com representantes da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ). Ao falar sobre os planos do Governo na seara tributária, afirmou que “o imposto é tão alto que 1/3 paga, 1/3 tem poder político e consegue ser desonerado, e o outro 1/3 vai pra Justiça que é mais barato do que pagar imposto”. A divisão em terços, imagina-se, seja apenas força de linguagem, pois não reflete a realidade. Mas chamou a atenção o fato de o ministro não ter mencionado, em nenhum momento, a sonegação como problema a ser enfrentado, sobretudo se se pretende, verdadeiramente, reduzir a carga tributária que pesa sobre os que cumprem regularmente suas obrigações com o Fisco. A sonegação é estimada no Brasil em cerca de 27% do valor total arrecadado, o equivalente a 400 bilhões de reais por ano, apenas no âmbito federal.

O presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, apresentou estudos da entidade ao ministro Guedes, em fevereiro de 2019, com os principais desafios na área tributária, inclusive medidas de combate à sonegação, com o fortalecimento da fiscalização e foco na detecção de fraudes fiscais, propostas de alteração na lei que extingue a punibilidade dos sonegadores no caso de pagamento ou mero parcelamento dos tributos, e alteração no Código Tributário Nacional (CTN) para impor limites na concessão de futuras anistias e parcelamentos (Refis). Os dois projetos de lei já existem (PLS 423 e 425), mas até o momento não houve nenhuma sinalização de interesse por parte do Governo.

Ainda na mesma palestra à ACRJ, o ministro Guedes falou que o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, ao expor seus estudos para o Governo, defendendo a possibilidade de mais à frente o Brasil ter um imposto único, teria sido indagado por um “cara da Receita” com a frase: “O que acontece com a gente?”. A resposta de Cintra, segundo Guedes, teria sido: “Cabou, o imposto é não declaratório, cabou (sic)”. Após arrancar risos da plateia, Guedes corrigiu o rumo da conversa, dizendo: “Nós não vamo lá, nós vamo por um caminho um pouco mais… não é tão… não é tão ousado, mas nós vamos usar um pedaço (sic)”.

A exposição de Guedes, em tom jocoso, coloca o secretário especial da Receita Federal em uma enorme saia justa com os Auditores-Fiscais. É surreal imaginar um chefe do Fisco propor um plano de longo prazo que torne desnecessária a existência do Fisco. Na alta administração da Receita, comenta-se que a conversa não existiu, nem o tal “cara da Receita”. Se foi uma figura de retórica do ministro, só podemos dizer que foi desrespeitosa, desnecessária e decepcionante.

Nenhum país jamais admitiu abrir mão de sua Administração Tributária, e muito menos das autoridades fiscais por meio das quais o Estado exerce seu poder de tributar. Em que país do mundo funcionou um imposto único, ainda mais um que dispense a fiscalização tributária? Nem mesmo países pequenos e sem entes federados (estados e municípios) adotam modelo semelhante. Será que o atual Governo ignora os vários casos de sonegação ocorridos no período da CPMF? Acredita mesmo que existe imposto insonegável, que todos os contribuintes cumprirão as regras por patriotismo?

Os países que enfrentaram com sucesso períodos de crise fiscal mantiveram sua máquina arrecadadora funcionando a todo vapor. No Brasil, o dono da granja economiza na ração, e o gerente dá sinais de que acredita que os ovos podem ser obtidos sem as galinhas.

Esse misto de falta de objetividade e desconexão da realidade já chama a atenção de parcela do empresariado, que espera do Governo medidas efetivas para recuperação da economia, e não apenas performances com promessas de um país com menos tributos para todos. Como reduzir a carga tributária, se a previsão é de mais alguns anos com déficit fiscal? Se as benesses tributárias obtidas por grupos empresariais, as desonerações, não estão sendo corrigidas? Se nada foi sequer proposto para simplificar o contencioso tributário? Se em lugar de incrementar o combate à sonegação, a Receita Federal vem sofrendo sucessivos cortes no orçamento? O Brasil é um paraíso fiscal para os realmente ricos e super ricos, e nada se faz para corrigir a legislação (infraconstitucional, não precisa de PEC) do imposto sobre a renda dessas pessoas.

Todas as promessas estão sendo colocadas no colo das reformas. A reforma trabalhista prometia a criação de centenas de milhares de empregos, e com isso a economia iria decolar. Nada aconteceu. A da Previdência iria salvar as contas públicas, e com isso o Brasil cresceria 3% em 2019. Mas agora o discurso já mudou, e admite-se que o efeito será insuficiente e a longo prazo. A próxima da vez será a tributária. Essa sim, vai mudar o Brasil. Não, ainda não, a boa mesmo será a reforma administrativa do Estado. Ou a reforma política.

O efeito concreto desse clima de permanente compasso de espera pelas reformas é uma espécie de torpor no ambiente de negócios, somado a uma paralisia dos investimentos do setor produtivo. Muito em breve a equipe econômica será cobrada por resultados, não apenas pelos empresários e pela população em geral que almejam o crescimento do país, mas pelos demais ministérios, que demandam orçamento para viabilizar suas políticas públicas. Nesse momento, ficarão claros os efeitos da falta de valorização dos Auditores-Fiscais da Receita Federal e do órgão, essenciais para o funcionamento do Estado, nos termos do inciso XXII do artigo 37 da Constituição Federal.

Assista abaixo ao vídeo com o trecho da fala do ministro Paulo Guedes:

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