Rumores de um sistema de monitoramento precisam ser esclarecidos

A Direção Nacional tomou conhecimento de uma demanda feita pelo Auditor-Fiscal Décio Rui Pialarissi, subsecretário-geral da Receita Federal, à Coordenação de Tecnologia da Informação (Cotec) quanto à criação de um sistema de armazenamento dos logs de acesso, o que permitiria o monitoramento das atividades desempenhadas por todos os Auditores-Fiscais e servidores nos computadores da instituição, sejam notebooks ou estações de trabalho. A Direção Nacional apurou que o registro de logs já existe no órgão, mas exclusivamente para uso pela Corregedoria-Geral (Coger) e pela Coordenação-Geral de Auditoria Interna (Audit), e não com a amplitude de detalhes e informações que pode ser alcançada com esse novo sistema.
Na sexta (11), a Direção Nacional, por meio do seu presidente, Kleber Cabral, indagou o subsecretário-geral a respeito da demanda feita à Cotec. Décio Pialarissi informou que o objetivo principal é trazer para a área de tecnologia da Receita informações que já ficam armazenadas no Serpro, especificamente os logs de ingresso do Windows. Disse que toda vez que há uma necessidade, a Receita precisa pagar ao Serpro pela extração desses dados, que poderiam muito bem ser armazenados internamente. Instado sobre o uso dessas informações para fins de controle de frequência ou produtividade, Décio negou tal intenção.
Segundo informações que chegaram posteriormente à Direção Nacional, tal sistema teria, além de informar os logs de acesso ao Windows, também a finalidade de medir o tempo de proteção de tela e horários de inatividade. O chamado “log de eventos do Windows” possui uma extensa gama de informações, registra quais aplicativos foram abertos, quanto tempo foram utilizados e quanto de banda larga de internet foi utilizado pelas estações de trabalho. Essas informações globais podem ser relevantes para os técnicos da área de TI, para dimensionar as necessidades e evitar gargalos, mas não faz nenhum sentido querer utilizar tais dados, de forma individual, para fins de gestão de pessoas.
Nas redes sociais, circulou ainda que tal sistema teria a finalidade de fornecer à administração da Receita Federal parâmetros adicionais de aferição de produtividade dos servidores do órgão, inclusive dos Auditores-Fiscais, com possíveis implicações funcionais sobre aqueles cujo perfil destoasse dos padrões definidos pela administração quanto ao tempo apurado em cada atividade.
Portanto, é preciso esclarecer exatamente qual a finalidade de o gabinete da Receita requerer tais informações, e quem teria acesso a elas. O sistema seria franqueado aos delegados, superintendentes, coordenadores, etc? Se estiverem disponíveis para as chefias, não é difícil imaginar que algum gênio queira usá-las para fins de aferição de produtividade, ou de frequência.
A natureza do trabalho do Auditor-Fiscal é absolutamente incompatível com esse tipo de controle, que se mostraria não apenas equivocado para monitorar os que eventualmente não estejam desempenhando bem suas atribuições, mas um verdadeiro acinte contra a quase totalidade dos Auditores-Fiscais que se dedicam arduamente à instituição, por dever de ofício e por lealdade à missão que nos foi outorgada quando assumimos, por mérito, mediante concurso público, um dos cargos mais relevantes da República.
Os relatos divulgados em grupos de redes sociais a que tivemos acesso, se verdadeiros, configuram um inaceitável retrocesso e uma afronta sem precedentes às atribuições do cargo de Auditor-Fiscal. Vale lembrar que a Direção Nacional já se pronunciou em outras ocasiões sobre a inadequação do controle de produtividade por horário aplicado aos Auditores (veja matéria e editorial aqui). Cabe destacar que a natureza intelectual das atribuições do cargo exige uma aferição diferenciada de produtividade, mediante metas estabelecidas de acordo com critérios institucionais e impessoais, que não comprometam a qualidade do trabalho, permitindo à autoridade fiscal a condição necessária para executar seu trabalho, promovendo a subsunção dos fatos concretos aos normativos legais e apresentando os resultados esperados pelo órgão.
Destaca-se ainda que o papel dos Auditores-Fiscais, enquanto autoridades tributárias e aduaneiras da União, requer a realização de atividades comumente desempenhadas fora de uma estação de trabalho, a exemplo das atividades de fiscalização de tributos internos e aduana, onde é comum a realização de ações in loco e diligências externas. Mesmo nas atividades nas quais o trabalho interno é predominante, há inúmeros exemplos de situações nas quais os Auditores utilizam computadores pessoais para desempenhar atividades do trabalho, como pesquisas de normas, análise de planilhas de dados e estudos, devido às limitações técnicas dos equipamentos fornecidos pela Receita Federal. É muitíssimo comum que os Auditores-Fiscais baixem arquivos para posterior leitura offline e elaboração de textos, feitos não raramente em computador pessoal.
Ainda conforme os relatos, tal sistema apresentaria um potencial risco de quebra de sigilo fiscal, visto que permitiria também o armazenamento dos tipos de documentos acessados pelos usuários. Mais adiante, nada impede que o sistema armazene os acessos aos sistemas da Receita. Sabe-se que o trabalho efetuado pelos Auditores envolve acesso a documentos de texto, planilhas de dados, informações do Contágil, Sped e diversas informações protegidas por sigilo fiscal e funcional, os quais ficariam expostos ao conhecimento de terceiros não envolvidos diretamente nos processos de trabalho relacionados às atribuições privativas dos Auditores-Fiscais.
Em nenhum outro órgão onde há cargos típicos de estado, semelhante iniciativa foi sequer aventada, muito menos se cogitou aplicar esse tipo de tratamento aos seus membros e autoridades. Caso o relato seja verdadeiro, a iniciativa demonstra mais uma vez o desapreço e a falta de confiança da administração da Casa no trabalho dos Auditores-Fiscais enquanto autoridades tributárias e aduaneiras da União. Tal iniciativa aprofunda o abismo de reconhecimento existente entre os Auditores e outros cargos, a exemplo dos Procuradores da Fazenda Nacional e Advogados Públicos, que jamais tiveram semelhante controle sobre suas atividades.
Assim, a Direção Nacional reputa como gravíssimas as informações chegadas ao nosso conhecimento e já requereu do Gabinete da Administração da Receita Federal (vide ofício) explicações quanto à natureza e aos objetivos dessa iniciativa, bem como saber se tal sistema será aplicado também aos Auditores-Fiscais. Caso o relato seja verídico, será requerido da administração da Receita a imediata descontinuidade da iniciativa, para resguardar o interesse do cargo e as atribuições privativas dos Auditores-Fiscais de uma prática abusiva e sem precedentes na história da Administração Pública Federal.