Relação entre sonegação e lavagem de dinheiro norteia 2º dia de seminário

Um debate sobre questões práticas que permeiam o trabalho da Receita Federal, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e do Judiciário marcou o segundo dia do seminário “A Sonegação Fiscal como Crime Antecedente à Lavagem de Dinheiro”, que teve o apoio do Sindifisco Nacional. O evento – que ocorreu segunda (26) e terça (27) na sede da PGFN, em Brasília – foi promovido pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) e coordenado pela Receita e pela PGFN.

O Auditor-Fiscal Cleber Homem e o procurador da Fazenda Nacional Daniel de Sabóia abriram os debates com a palestra “Crimes tributários como antecedentes à lavagem de dinheiro – diagnóstico e principais entraves”, demonstrando de forma concreta como a sonegação de tributos é utilizada como estratégia para o enriquecimento indireto.

Cleber Homem fez considerações sobre a Ação ENCCLA 14/2019, que tem como objetivo fazer um diagnóstico sobre a lavagem de dinheiro decorrente de crimes tributários. O Auditor-Fiscal citou que, em Portugal, não se pune vantagem patrimonial inferior a € 15 mil e que, na Espanha, o patamar mínimo é de € 120 mil. Já no Brasil, não existe um valor estipulado para configurar crime tributário, considera-se apenas o princípio da insignificância, R$ 20 mil.

O Auditor também criticou a extinção da punibilidade dos crimes tributários mediante pagamento dos tributos devidos. “Sonegar é o melhor empréstimo que o empresário pode pegar. É uma loteria ao contrário, porque há uma grande chance de ele não ser fiscalizado”, disparou.

O representante da PGFN apresentou uma situação concreta ocorrida em 2010. No caso em pauta, uma empresa de transporte coletivo, que não tinha nenhum patrimônio em seu nome, virou alvo de uma fiscalização da Receita, que constatou uma fraude, que tinha por objetivo o não pagamento dos devidos tributos.

Em seguida, Daniel Sabóia apresentou um segundo caso em que uma empresa declarava os bens, mas não pagava os tributos. Segundo ele, a empresa acumulou R$ 1 bilhão em sonegação. De acordo com palestrante, são situações ilustrativas que caracterizariam a sonegação como crime antecedente à lavagem de dinheiro.

Painel – O procurador Regional da República Douglas Fisher e os desembargadores federais Leandro Paulsen e Fausto de Sanctis participaram do painel “Autonomia do crime de lavagem de dinheiro em relação ao crime antecedente e Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal”. O debate foi mediado pela procuradora da Fazenda Nacional Fernanda Vilares.

Douglas Fisher abriu a discussão fazendo severas críticas à Súmula 24, segundo a qual o crime tributário só pode ser tipificado depois do lançamento do crédito pela Receita Federal. Na avaliação do procurador, a norma cria entraves desnecessários à caracterização dos crimes tributários.

“Exigir o lançamento do crédito para caracterizar a fraude, é o mesmo de exigir o laudo do médico legista para investigar crime de homicídio”, comparou.

Fischer pontuou uma série de incongruências da súmula em relação à legislação tributária em vigor, o que, na avaliação dele, seria uma visão equivocada do STF sobre um tema bastante complexo. “Temos que insistir e mostrar que os órgãos de Estado estão preocupados com a persecução penal dos crimes tributários neste país”, finalizou, defendo uma ampla revisão da súmula.

Leandro Paulsen focou sua participação na defesa do acesso às informações visando fiscalizações da Receita. “O sigilo tem como finalidade preservar o contribuinte da exposição pública. Não deve funcionar como escudo à fiscalização”, avaliou.

O desembargador também defendeu que o lançamento tributário formaliza o crédito e admite a exigibilidade de pagar. Para ele, a Súmula 24 estaria correta uma vez que uma fraude fiscal pode ser revista ao longo da tramitação administrativa. Logo, só com o lançamento poderia se falar em crime contra a ordem tributária.

O desembargador admite que quem sonega pretende suprimir tributos mediante fraude com objetivo de obter vantagens materiais, mas afirmou nunca ter julgado um crime de lavagem de dinheiro resultante de sonegação. Para o magistrado, o mais comum é julgar apenas a lavagem de dinheiro.

Segundo Fernanda Vilares, que mediou o painel, a vivência de Paulsen só confirmaria a dificuldade de relacionar formalmente os dois ilícitos, embora, na prática, lavagem de dinheiro e sonegação estejam intimamente ligados.

Em sua participação, Fausto de Sanctis defendeu a mudança do conceito de sonegação como “crime antecedente” para “crime subjacente”. “Corrupção e sonegação andam de mãos dadas. A diferença é que, na sonegação, o recurso fica com o particular. Mas ambos são desvio de recursos públicos”, afirmou.

Sanctis também fez críticas à Súmula 24, que ele classificou como “excrescência normativa”, uma tentativa de o Judiciário fazer lei.

Por fim, ele defendeu o respeito a ordenamentos internacionais, a exemplo do Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional) e a troca de informações entre órgãos de fiscalização como a Receita e o Ministério Público. 


 

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