Reforma tributária justa e solidária é debatida no primeiro “Diálogo com os Presidenciáveis”

Uma reforma tributária justa, solidária e sustentável foi a proposta apresentada pelo economista Guilherme Mello, assessor econômico do Partido dos Trabalhadores (PT), na primeira etapa do projeto “Reforma Tributária: Diálogo com os Presidenciáveis”, realizada na tarde desta segunda-feira (27), em São Paulo. O projeto é uma iniciativa do Sindifisco Nacional, em parceria com a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip). O objetivo é fomentar o debate acerca das propostas de Reforma Tributária dos principais candidatos à Presidência da República.

O debate reuniu representantes das três entidades: o presidente do Sindifisco Nacional, Auditor-Fiscal Isac Falcão; o diretor do Departamento de Projetos Especiais da Fenafisco, Glauco Honório; e o vice-presidente de Estudos e Assuntos Tributários da Anfip, Gilberto Pereira. Também participaram jornalistas de diversos veículos, que puderam encaminhar perguntas ao economista convidado. O evento foi transmitido ao vivo pelo YouTube das três entidades.

Guilherme Mello abriu o debate observando que a estrutura tributária brasileira é herança do período militar, quando foi adotada a chamada “modernização conservadora”, marcada pelo crescimento econômico, mas também pelo aumento da desigualdade social. Um regime tributário que, em resumo, privilegia a renda do capital e sobretaxa a renda do trabalho e o consumo. Nesse período, houve aumento substancial da carga tributária e concentração da arrecadação nas mãos do governo federal, enfraquecendo o pacto federativo.

A Constituição de 1988, embora progressista em relação aos direitos sociais, pouco modificou essa estrutura, não enfrentando o tema central da tributação progressiva. Na década de 1990, a carga tributária saltou de 26% para 32%, aumentando a tributação sobre o consumo e ao mesmo tempo isentando a distribuição de lucros e dividendos da cobrança do Imposto de Renda, reforçando, portanto, a regressividade do sistema.

“Essa foi a realidade herdada pelo governo Lula nos anos 2000”, afirmou Guilherme Mello. Em 2007, foi encaminhada ao Congresso proposta para alterar o regime tributário, porém sem sucesso, diante da resistência dos estados mais ricos da federação. As mudanças pontuais implementadas nos governos Lula e Dilma não conseguiram alterar a estrutura da arrecadação, admitiu o economista.

Guilherme Mello detalhou alguns pontos da proposta do atual programa de governo, chamada de Reforma Tributária Justa, Solidária e Sustentável, que, em linhas gerais, propõe a tributação dos super-ricos e a redução dos tributos sobre consumo, que impactam a vida dos trabalhadores e das pessoas mais pobres. Segundo ele, as propostas em discussão atualmente no Congresso Nacional são direcionadas exclusivamente para a reforma dos tributos indiretos, mas sem alterar a estrutura do sistema tributário, gerando distorções como a criação da maior alíquota de IVA do mundo, com o peso de cinco tributos indiretos em apenas um.

“Esse não é um debate qualquer, porque dialoga com instrumentos fundamentais para se construir um novo estilo de desenvolvimento, com distribuição de renda e sustentabilidade ambiental”, afirmou. “É um debate inadiável”.

Guilherme Mello considera que, após as eleições, será um momento propício para mudanças no sistema tributário. “A desigualdade hoje deixa clara a necessidade de se repensar o papel do Estado na distribuição de renda. Nossos indicadores de desigualdade e concentração de renda são alarmantes. Essa reforma pode ser o ponto de partida para uma nova estrutura tributária no Brasil”, defendeu. 

Após a exposição, os representantes das três entidades manifestaram suas contribuições ao debate e fizeram perguntas sobre a proposta apresentada. O presidente do Sindifisco Nacional ressaltou que as entidades do Fisco têm participado ativamente das discussões tributárias e que as propostas em destaque hoje no Congresso têm priorizado a organização da tributação sobre o consumo.

“A gente tem claro que uma estrutura tributária justa significa que cada um pague conforme a sua capacidade econômica e contributiva. E o consumo de alguma forma é um signo precário da capacidade tributária, pois os mais pobres consomem parcela maior de sua renda e, se a alíquota sobre o consumo é a mesma para todos, os mais pobres pagarão um percentual maior de sua renda”, destacou, ressaltando que o Estado brasileiro deve ter como horizonte a redução das desigualdades. “O Sindifisco Nacional tem em seu estatuto a defesa da justiça fiscal. É preciso olhar para isso com prioridade”.

Isac Falcão também observou que a mudança da matriz tributária, aumentando-se a participação da arrecadação dos tributos sobre a renda, pode ser menos complexa do ponto de vista da técnica legislativa, por depender apenas de leis ou medidas provisórias, de forma diferente das mudanças na tributação sobre o consumo, que dependem de alterações constitucionais. No entanto, do ponto de vista político, a ampliação da tributação da renda encontra dificuldades, por mexer no interesse real da elite econômica do país. Ele deu como exemplo a proposta de tributação sobre lucros e dividendos, que encontra forte resistência, e ainda os benefícios fiscais, que acabam estimulando a sonegação.

O presidente do Sindifisco Nacional denunciou, mais uma vez, o projeto de desmonte da Receita Federal, que teve metade do orçamento cortado para 2022 e enfrenta um déficit de 40% em seu quadro de Auditores-Fiscais. A redução da capacidade fiscalizatória e a prioridade aos tributos indiretos favorecem diretamente os contribuintes que demandam trabalho de auditoria. Nesse sentido, o Brasil tem ido na contramão de medidas adotadas pelos países da OCDE.

Guilherme Mello ressaltou que o combate à sonegação é uma importante ferramenta de redução das desigualdades e que, portanto, os Auditores-Fiscais têm papel fundamental na proposição das mudanças necessárias à estrutura tributária brasileira. “Além de subsidiar com dados, é fundamental a participação no debate público”. O economista defendeu a recuperação da capacidade de fiscalização do Estado brasileiro nas mais diferentes áreas, inclusive tributária, e também uma legislação mais simples, que seja capaz de inibir as manobras de sonegadores. “Essa deve ser uma construção coletiva”.

Estudo

Após os debates com as equipes econômicas dos presidenciáveis, será a vez dos próprios candidatos à Presidência da República participarem do projeto. Para fundamentar as discussões, está em andamento um amplo estudo feito pelas entidades organizadoras do evento, sob a organização do professor de Economia da Unicamp Eduardo Fagnani.

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