Especialistas debatem tributação no Brasil
A capital cearense sediou na terça-feira (2/7) a terceira edição do “Ciclo de Seminários Justiça Fiscal e Tributária: Progressividade da Tributação e Desoneração da Folha de Pagamentos”, promovido pelo Sindifisco Nacional em parceria com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Participaram da mesa de abertura o primeiro vice-presidente do Sindifisco Nacional, Lupércio Montenegro; o presidente da DS (Delegacia Sindical) Ceará, Marcelo Oliveira Maciel; o superintendente da 3ª RF (Região Fiscal) da RFB (Receita Federal do Brasil), Auditor-Fiscal Moacir Mondardo Jr.; o assessor da Direção Técnica do Dieese, Sérgio Eduardo Mendonça; e o técnico em Políticas Públicas da Disoc (Diretoria de Estudos e Políticas Sociais) do Ipea, José Aparecido Carlos Riberito. A diretora de Estudos Técnicos do Sindicato, Elizabeth de Jesus Maria, e a delegada da DRF (Delegacia da Receita Federal do Brasil), Maria do Socorro Ferreira Aguiar, também estiveram presentes.
Para Marcelo Maciel, o Ciclo de Seminários é uma oportunidade para se fazer uma intervenção qualificada de propostas apresentadas pelos Auditores-Fiscais a respeito dos temas tratados. “A ordem econômica social carece de regulação do Estado, mais voltada para a defesa inegociável da nação, com a inclusão dos menos favorecidos. Por isso, para implementarmos essa mudança, devemos somar forças para a construção de propostas consensuais em torno de uma política monetária, fiscal e cambial em favor das pessoas, da sociedade e da economia, sem colocar em risco o financiamento da previdência do povo brasileiro”, disse.
Moacir Mondardo e Sérgio Mendonça agradeceram a oportunidade de poder participar dos debates sobre assuntos tão importantes para a sociedade. Segundo Mendonça, essa é uma oportunidade especial de aprofundar o debate, principalmente no atual momento econômico mundial, em que vários países se encontram em situação delicada.
José Aparecido entende que esse ciclo de eventos se encaixa numa estratégia importante que o Ipea vem buscando fazer há algum tempo, no sentido de discutir essa fase do desenvolvimento importante da competitividade industrial e da desoneração da folha.
Lupércio Montenegro manifestou sua preocupação quanto ao projeto que o governo apresentou hoje e que, especulava-se, continha medidas para a desoneração da folha de pagamento. “Preocupa-me porque não sabemos o conteúdo e o tipo de projeto que será apresentado. Espero que o governo não envie ao Congresso um projeto de urgência ou medida provisória, pois isso seria uma irresponsabilidade. Esse é um debate que tem que ser feito junto à sociedade. A desoneração da folha vai atingir o trabalhador brasileiro e, por isso, tem que ser devidamente discutido”, defendeu.
De acordo com Montenegro, a preservação da Previdência é uma questão do futuro do trabalhador brasileiro. “O sistema paga 25 milhões de benefícios, e os seus recursos movimentam grande parte da economia dos municípios brasileiros, o que a torna até mais importante que o próprio FPM (Fundo de Participação dos Municípios), e não podemos deixar que seja prejudicada através da desoneração”, afirmou.
O primeiro vice-presidente também lembrou que na próxima edição do Ciclo de Seminários, em São Paulo, será feita uma publicação com base nas discussões e propostas realizadas pelos Auditores-Fiscais durante todos os encontros.
Tributação no Brasil – A Progressividade da Tributação no Brasil abriu as discussões da primeira mesa do seminário, que teve como mediador o diretor do Plano de Saúde do Sindifisco Nacional Eduardo Artur Neves Moreira e como secretária, a diretora de Defesa, da Justiça Fiscal e da Seguridade Social da DS Ceará, Rita Maria Parente Linhares.
Ao fazer um panorama geral sobre a tributação no país, o doutor em Economia e Técnico em Planejamento e Pesquisa do Ipea, Fernando Gaiger Silveira, afirmou que o Brasil tem uma tributação direta progressiva em seu conjunto, mas não tão progressiva quanto a dos países desenvolvidos. Segundo apontou, o peso da tributação indireta na composição da carga tributária brasileira é maior e, nesse sentido, a tributação acaba se tornando regressiva. “O que temos que fazer é buscar alterar isso, mudando a participação dos tributos indiretos na composição da carga tributária. A tributação indireta penaliza os mais pobres”, disse o representante do Ipea.
“Temos um sistema de proteção social que tem evoluído muito, mas o financiamento desse sistema é altamente regressivo. A desoneração da folha de pagamento, a substituição por outras fontes de arrecadação que a compensem podem tornar o sistema tributário ainda mais regressivo”, sinalizou Silveira.
Nos últimos dez anos, o país teve uma melhora no perfil distributivo do gasto social, que tem se tornado mais progressivo. No entanto, a carga não tem seguido essa linha. Ainda segundo o economista, um estudo do Ipea, avaliando o comportamento do Índice de Gini, que mede a desigualdade social, mostra uma queda expressiva nas desigualdades, principalmente em decorrência das distribuição do gasto social.
Mestre em Economia pela UNB (Universidade de Brasília) e gerente de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional, Álvaro Luchiezi Jr., falou da questão da desigualdade distributiva da riqueza no Brasil. Segundo mostrou, atualmente, 50% da população mais pobre têm 17,5% da renda, e o mais ricos, se apropriam de 12% dessa renda.
Dados apresentados por Álvaro Luchiezi mostram que, em nível mundial, o Brasil aparece como a 9ª maior economia do mundo e a 11ª pior em distribuição de renda. Os números são do período de 2000/2009 e mostram ainda que a carga tributária cresceu de 30% para 34%, uma evolução de quatro pontos percentuais em dez anos.
“O Brasil consegue ter uma carga tributária alta e uma péssima distribuição de renda. O valor da nossa carga tributária consegue ser mais alto do que de todos os países emergentes como Chile, México, e estamos nos aproximando do da Grécia”, alertou Luchiezi.
Nesse sentido, Álvaro Luchiezi mostrou algumas propostas apresentadas em estudos elaborados pelo Sindifisco Nacional para tornar o Sistema Tributário Nacional mais justo. Entre essas propostas está a revogação de algumas alterações realizadas na legislação tributária infraconstitucional após 1996; o fim da possibilidade de remuneração com juros do capital próprio das empresas; fim da isenção de IR à distribuição dos lucros e dividendos e também na remessa de lucros e dividendos ao exterior; correção da defasagem da tabela do imposto de renda; desoneração do IRPF sobre os rendimentos do trabalho assalariado de baixo e médio poder aquisitivo; e a implementação do IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas).
Ainda segundo o gerente de Estudos Técnicos do Sindicato, outro imposto que deve ser aperfeiçoado é o IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), que atualmente incide sobre carros populares, mas não incide sobre embarcações e aeronaves; além da adoção de progressividade do ITD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e por doação de quaisquer bens e Direitos). Segundo ele, se adotadas pelo governo, essas medidas “podem tornar o sistema tributário brasileiro mais equânime, reduzindo algumas desigualdades”.
“Temos uma sistema regressivo e mal distribuído. É preciso refazer um arranjo, um impacto político”, defendeu Sérgio Mendonça, ao afirmar que o sistema tributário nacional é desigual e injusto.
“Pensar num modelo ideal seria ter uma carga tributária alta recolhida progressivamente e ter um gasto progressivo. Temos retorno social baixo em relação à carga tributária. As pessoas que ganham menos pagam mais”, destacou.
Para ele, a ideia do retorno social é importante. No entanto, a afirmação de que o tamanho da carga é alta ou baixa é uma questão relativa, pois precisa de uma referência para ser verdadeiramente definida. “A carga é alta ou baixa relativamente a alguma coisa e ao seu retorno, seja na saúde, na segurança pública, na educação ou no saneamento, por exemplo.
Segundo o assessor do Dieese, dizer que é necessário reduzir a alíquota da contribuição social patronal para gerar emprego formal não convence, não faz sentido. “Pelo que temos visto nos últimos dez anos, a economia voltou a crescer, gerando emprego formal, a despeito dessa alíquota. E é preciso ficar atento, porque esse é um ponto importante que vai estar presente em várias discussões”.
Outro dado importante destacado pelo economista é a ideia de que não há cidadania tributária e de que a carga tributária sobre produtos finais não é transparente. “Muitos acham que não pagam impostos e que têm os serviços quase que como uma dádiva. Dessa forma, cabe a nós mostrar à sociedade que mais da metade da carga tributária vem de impostos indiretos e que quem paga são os mais pobres. Essa tarefa tem que ser feita por todos, e o Sindifisco a tem cumprido muito bem”, declarou.
Segundo Mendonça, se esses esclarecimentos não forem feitos de forma rápida e correta, provavelmente haverá dificuldade de fazer mobilização e ter respaldo de fazer mudanças no sistema tributário. “Não temos educação fiscal suficiente. Se queremos discutir progressividade, mobilizar a sociedade e o governo, é preciso que a população saiba o que está pagando. E esse ciclo de seminários poderá dar essa transparência”, concluiu o assessor do Dieese.
A oficina que aconteceria após as explanações da manhã foi transferida para o período da tarde, quando será realizado também o painel sobre a Desoneração da Folha de Pagamento.