Programa de Gestão: mais uma ferramenta desarrazoada de rebaixamento do cargo

O atualmente denominado Programa de Gestão e Desempenho da Administração Pública Federal, reconhecido pela sigla PGD, foi inicialmente previsto em dispositivo singular constante no Decreto nº 1.590/1995, que indicava quatro pressupostos principais da modalidade: 1) a autorização por ministro de Estado ou cargo equivalente; 2) a aplicação em atividades cujos resultados fossem efetivamente mensuráveis; 3) a publicação do teor do programa e de seu acompanhamento trimestral no Diário Oficial da União; e 4) a dispensa do controle de assiduidade para os agentes públicos envolvidos.

Hoje o programa é regido por norma apartada e que trata apenas do tema: o Decreto nº 11.072/2022, regulamentado pela Instrução Normativa ME/SEDGG/SGP nº 65/2020. Ambos os atos expedem orientações e critérios que vinculam toda a Administração Pública Federal e são seguidos de normativos de cada órgão estabelecendo procedimentos gerais para a execução do PGD. Além de ampliar sensivelmente a antiga previsão do Decreto nº 1.590/1995, o Decreto nº 11.072/2022 dispensou a publicação do acompanhamento trimestral no Diário Oficial da União.

Dezenas de órgãos do Poder Executivo Federal instituíram e regularam o Programa de Gestão e Desempenho, em rol que pode ser conferido no site <https://www.gov.br/servidor/pt-br/assuntos/programa-de-gestao/implementacao-nos-orgaos-e-entidades-3>, a exemplo do Banco Central do Brasil (Resolução BCB nº 67/2021), da Controladoria-Geral da União (Portaria CGU nº 1.082/2021) e da Polícia Federal (Instrução Normativa PF/DG nº 207/2021). Especificamente no âmbito da Receita Federal, com base na autorização ministerial externada pela Portaria ME nº 334/2020, foi publicada a Portaria RFB nº 68/2021 a fim de regular a implementação do programa dentro do órgão.

A Advocacia-Geral da União regulamentou a aplicação do PGD por meio da Portaria Normativa AGU nº 17/2021, contudo, deixou claro na norma que se submetem a ela somente os servidores de apoio do órgão, ficando excetuados os advogados públicos. Para estes, seguindo o entendimento do Parecer AGU/CGU/DECOR nº 25/2022, de que não estão sujeitos aos controle de assiduidade e pontualidade constantes no Decreto nº 1.590/1995 (ato que originariamente previa o programa), foi editada a Portaria Normativa AGU nº 3/2021 e, especificamente para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, foi publicada a Portaria PGFN nº 1.069/2017.

Frise-se que o regime disposto na Portaria Normativa AGU nº 3/2021 e na Portaria PGFN nº 1.069/2017 difere sobremaneira do Programa de Gestão e Desempenho, pois não possui lastro na antiga previsão do Decreto nº 1.590/1995, na atual previsão do Decreto nº 11.072/2022 e na regulamentação da Instrução Normativa ME/SEDGG/SGP nº 65/2020. Tanto que sua nomenclatura é apenas “teletrabalho” e só se admite sua execução em regime remoto integral (diferentemente do PDG, que pode ser aplicado ao trabalho presencial, ao trabalho remoto parcial ou ao trabalho remoto integral). Na medida em que o cerne do PDG passa pela substituição do controle de assiduidade pelo controle de resultados, como os advogados públicos já não se sujeitam aos controles de assiduidade, não faria sentido submeterem-se a um controle de resultados sem que houvesse a contrapartida da viabilização de um teletrabalho em regime de execução integral.

A Direção Nacional já denunciou a assimetria de tratamento entre carreiras de Estado de envergadura semelhante. O que poderia ser prontamente corrigido caso fosse acatada e publicada pela Administração da Receita Federal a portaria de atividade intelectual, nos moldes propostos pelo Sindifisco, a entidade representativa dos Auditores-Fiscais.

A situação piora ao compararmos como o Programa de Gestão e Desempenho da Receita Federal e o teletrabalho da AGU/PGFN são regulados. Abaixo seguem as diferenças que qualquer análise sumária pode constatar:

a) Diferentemente da Portaria PGFN nº 1.069/2017, que é autoaplicável, a Portaria RFB nº 68/2021 deixa claro que a admissão e permanência no programa é ato discricionário da Administração, sujeito à conveniência e oportunidade;

b) A AGU reconhece o regime diferenciado ao qual são submetidos os seus advogados públicos e fixa norma apartada (Portaria Normativa AGU nº 17/2021) para tratar do Programa de Gestão e Desempenho de seus servidores de apoio, enquanto a Receita Federal trata todo seu corpo funcional da mesma maneira, instituindo regras iguais para autoridades fiscais e outros servidores, deixando de levar em conta o nível de complexidade das atribuições e de autonomia dos cargos envolvidos;

c) A Portaria PGFN nº 1.069/2017, em contraponto à Portaria RFB nº 68/2021, não veda a participação no programa de agente público anteriormente desligado pelo não atingimento das metas estabelecidas e nem para os que assumiram determinado cargo de gestão no órgão, exceto se houver subordinado trabalhando presencialmente; e

d) Como diferença essencial entre a norma da PGFN e a da RFB, para os advogados públicos praticamente não há projeto de gestão, regras de controle ou sistema de métricas e metas das atividades, devendo estes apenas cumprirem com o dever de apresentar os registros de suas atividades, propiciar o acesso aos seus trabalhos, estar disponíveis para comparecimento (mediante agendamento prévio) à unidade, consultar diariamente sua caixa de e-mail e alimentar os sistemas informatizados dentro dos prazos estabelecidos.

Por fim, mas não menos importante, temos a esdrúxula situação, prevista na Portaria RFB nº 68/2021, de um Auditor-Fiscal sob encargo de chefia avaliando outro Auditor-Fiscal pelo trabalho realizado, imputando à autoridade fiscal pontuação de 0 a 10 por atendimento insatisfatório, atendimento satisfatório ou atendimento com excelência. O procedimento de “conferir nota” elencado na norma não encontra respaldo no Decreto nº 11.072/2022 e na Instrução Normativa ME/SEDGG/SGP nº 65/2020, além de ferir a autonomia técnica e a independência funcional do Auditor-Fiscal e desrespeitar comando previsto no Decreto nº 3.724/2001, que destaca a obrigação de a Receita Federal, por intermédio de seus administradores, garantir o pleno e inviolável exercício das atribuições das autoridades fiscais.

Assista a seguir a vídeo do diretor de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional, Gabriel Rissato:

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