Implementar o Orçamento da Seguridade Social e Desmistificar o “Déficit”

Em ano eleitoral, o discurso dos pré-candidatos à Presidência da República sobre Previdência Social certamente ganhará os holofotes da mídia. Infelizmente, o debate sobre esse tema foi notadamente tímido entre os candidatos que polarizam a disputa: Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). Nas declarações que prestaram à imprensa, eles pouco se aprofundaram no tema e se restringiram a dizer se são favoráveis ou contra a uma possível reforma.

“Defendo que a gente ajuste a Previdência. Se aumentou a expectativa de vida da população, tem que ajustar para que a Previdência dê conta, não vai cair do céu… Tem que arrumar mais dinheiro, vai ter de mudar as regras e negociar a mudança de regras com a sociedade. A experiência demonstra que é melhor fazer ajustes tópicos, sistemáticos e não uma grande reforma”, disse Dilma em entrevista à rádio CBN.

Em outra ocasião, o candidato Serra, em entrevista à mesma emissora, revelou opinião divergente do que foi dito pela candidata petista: “A Previdência precisa de uma reforma que elimine privilégios e corrija injustiças”, declarou o peessedebista. Até agora, porém, nenhum deles emitiu opinião clara sobre o suposto déficit nas contas previdenciárias – tema que, embora falacioso, é um dos preferidos da grande imprensa. 

A Seguridade Social designa um conjunto integrado de ações do Estado e da sociedade voltadas a assegurar aos cidadãos os direitos relativos à Saúde, à Previdência Social e à Assistência Social. Para financiá-las, a Constituição prevê, no art. 165, que a Lei Orçamentária Anual preveja o OSS (Orçamento da Seguridade Social), englobando todos os órgãos da administração direta e indireta, relacionados à Seguridade Social.

O OSS, sob o formato quadripartite, chegou a ser elaborado nos primeiros anos após a regulamentação das leis de custeio e de benefício da seguridade social. Na realidade, referiam-se ao financiamento e aos benefícios da Previdência Social, com raras passagens sobre a Seguridade Social no texto legal.

A não-implementação do OSS foi uma opção de política econômica, particularmente o quadro tributário e fiscal constituído nas últimas duas décadas no país. A política fiscal desse período seguiu à risca as recomendações dos organismos multilaterais, como o FMI (Fundo Monetário Internacional). A partir dessa visão, criou-se no país a falsa noção de “crise da Seguridade Social”. A concepção disseminada por parte do  governo, da imprensa e por muitos analistas de que o sistema previdenciário brasileiro é deficitário e causador do déficit público se constituiu num elemento importante que falsamente justificou a “reforma” da Previdência Social, em 1998.

O que tradicionalmente os dirigentes da previdência social brasileira divulgam é o resultado financeiro do RGPS (Regime Geral da Previdência Social) por meio do contraste entre a arrecadação líquida e as despesas com benefícios previdenciários do INSS.

Após determinação da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2005 (Lei n° 10.934, de 11/08/04), a STN (Secretaria do Tesouro Nacional) passou a explicitar o montante de recursos desvinculados da seguridade social, mas permanece a falta de discriminação e clareza na divulgação dos dados da execução orçamentária.

Até 2002, as propostas de leis orçamentárias encaminhadas pelo Poder Executivo e aprovadas pelo Congresso Nacional não tratavam das despesas e das receitas da seguridade social de forma separada do orçamento fiscal. A Lei Orçamentária, em cada ano, tratava de forma homogênea as despesas e receitas das esferas fiscal e da Seguridade Social, em uma única peça orçamentária denominada “orçamento fiscal e da seguridade social”.

Em 2003, após 15 anos de existência na Constituição, o projeto e a lei orçamentária aprovada trouxeram o montante das receitas e das despesas dos orçamentos fiscal e da Seguridade Social separados. Contudo, essa apresentação limitou-se a uma estrutura formal de orçamento, sem qualquer controle social.

A falta de transparência na divulgação de informações orçamentárias e na elaboração das propostas encaminhadas ao Congresso Nacional continua sendo uma práxis. A lógica de apresentar a Seguridade Social como deficitária se repete no PLOA 2010, a Proposta de Lei Orçamentária Anual. O artigo 2° da Lei 12.214, que estima a receita e a despesa do orçamento da União para 2010, diz que a Seguridade Social terá uma receita de R$ 425,5 bilhões. As despesas projetadas são de R$ 465,9 bilhões (inciso II, art° 3°). A diferença de R$ 40,4 bilhões de acordo com o PLOA será coberta pelo orçamento fiscal.

Esta conta é uma falácia. Não dá a verdadeira transparência aos dados financeiros, já que ela não observa o mandado constitucional. Caso fossem respeitadas as fontes de financiamento exclusivas definidas na Constituição, as receitas seriam suficientes para cobrir todas as despesas previstas no âmbito desse orçamento. Segundo cálculos da ANFIP (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil), divulgados na publicação “Análise da Seguridade Social  em 2008”, o saldo positivo teria sido de R$ 52,3 bilhões neste ano.

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