Pressão de empresários por maior controle aduaneiro desmascara déficit de Auditores e de recursos orçamentários para a Receita

Cerca de 500 mil volumes de produtos importados entram no Brasil todos os dias através das chamadas encomendas internacionais. No entanto, o registro dessas mercadorias no sistema informatizado da Receita Federal do Brasil não chega a 15 mil/dia, de acordo com Auditores-Fiscais que atuam na Aduana. Num cálculo grosseiro, isso significa dizer que apenas 3% das remessas internacionais são devidamente inspecionadas. Reflexo do déficit de Auditores-Fiscais, bem como da necessidade urgente de investimento em tecnologia para que o órgão se adeque à realidade imposta pelo e-commerce.
O comércio eletrônico vem crescendo significativamente desde 2007, ganhando forte impulso em virtude da recente pandemia. Tal realidade de expansão também se verifica no âmbito do comércio exterior, em especial em virtude do crescimento astronômico dos denominados marketplaces, os shoppings virtuais.
E por conta dessa realidade, empresários brasileiros e entidades representativas vêm se articulando política, administrativa e juridicamente para que as autoridades governamentais combatam a concorrência desleal que atribuem à atuação de marketplaces estrangeiros, acusando-os de sonegação através de subfaturamentos e reetiquetagens fraudulentas nas encomendas internacionais. A estratégia teria como objetivo enquadrar as operações como sendo entre pessoas físicas, sem fins comerciais e de até US$ 50,00, pois assim seriam isentas de tributação. Uma das propostas é a de alterar a legislação para obrigar que o consumidor pague os tributos no momento da compra, e não mais quando o produto importado chega ao Brasil e passa pela Aduana.
Esse movimento de denúncia vem ganhando força desde fevereiro, sob a liderança de empresários, como Luciano Hang, e de entidades, como o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) e a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), com bom trânsito no governo e um decisivo apoio do Ministério da Economia, que já estaria até preparando medida provisória para atendê-los, conforme anunciou o secretário da Receita Federal, o Auditor-Fiscal Julio Cesar Vieira Gomes, em encontro com representantes da iniciativa privada e da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, em Brasília. Seria o combate ao que denominou de “camelódromo virtual”.
Em entrevista ao Sindifisco, o Auditor-Fiscal Paulo Lourenço, chefe da Seção de Remessas Postais e Expressas (SARPE) da Alfândega do Galeão, trouxe o ponto de vista da fiscalização aduaneira sobre o assunto. “Não existe limite de isenção para compras internacionais. Todas deveriam ser tributadas. Mas, em função do grande volume de importações, na grande maioria dos casos, principalmente, os de bens de pequeno valor, essa tributação acaba não sendo cobrada”, explica.
Na unidade chefiada por ele, cerca de quatro mil volumes de mercadorias chegam diariamente, sendo flagradas inúmeras tentativas de sonegação por meio de declarações falsas e mercadorias com valores subfaturados. Paulo Lourenço esclareceu também que a grande parte das encomendas internacionais são submetidas ao controle aduaneiro na Alfândega de Curitiba, onde está sediado o Centro de Tratamento Internacional dos Correios, de modo que para lá são enviadas praticamente todas as mercadorias de pequeno valor importadas por meio de empresas como AliExpress e Shopee.
“A perda tributária atual é da ordem de R$ 20 bilhões por ano, considerando-se 500 mil remessas recebidas por dia, com valor médio de US$ 20,00, cada”, estima Paulo Lourenço. O cálculo leva em conta a incidência do Imposto de Importação e ICMS sobre todas elas, e do IPI nas vendas, no caso de remessas com destinação comercial.
A avaliação é que o ideal seria a distribuição desse enorme volume de importação entre as demais unidades da Receita Federal, baseada na proximidade do destino, além da contratação de um sistema informatizado com capacidade para alimentar a base de dados com as 500 mil remessas de mercadorias que chegam por dia. Hoje, o sistema do Serpro que é usado pela Receita teria capacidade de fazer o registro de no máximo 40 mil encomendas internacionais.
Ainda segundo Paulo Lourenço, os Auditores da Alfândega do Galeão também consideram a possibilidade de tributação na origem, independentemente de haver ou não a Declaração de Importação por Remessa. No entanto, o mais provável é que o governo acabe com a isenção para remessas no valor de até US$ 50,00, que não deveria ser utilizada no e-commerce.
O Sindifisco Nacional entende que a tributação na origem ou qualquer outra solução a ser adotada para as encomendas internacionais não afasta a necessidade da adequada presença de Auditores-Fiscais na Aduana para garantir, não só a defesa da economia nacional e do emprego por meio do combate à concorrência desleal, mas também para evitar a entrada de produtos prejudiciais à saúde e à segurança, tais como drogas, armas, medicamentos não autorizados pela Anvisa e brinquedos sem conformidade técnica.
É preciso, portanto, alertar que, além de procurar atender os pleitos dos empresários sempre resguardando os princípios republicanos – empresários estes que muitas vezes condenam a atuação do Estado e nem sempre reconhecem a importância do serviço público para uma sociedade mais justa -, cabe ao governo respeitar o interesse público e recompor os quadros da Receita Federal, que ao longo dos últimos dez anos acumulou uma redução de quase cinco mil dos Auditores e Auditoras-Fiscais em atividade, ou 40% do seu efetivo em janeiro de 2012 (12.158 Auditores). A realização de concurso público é uma demanda antiga da categoria e, não à toa, é um dos pontos que motivam a mobilização em curso.
E ainda que o órgão contasse com a quantidade de Auditores necessária à sua missão institucional, o controle das importações de encomendas postais ou expressas, em tempos de e-commerce, continuaria esbarrando na falta da tecnologia adequada, outra preocupação denunciada à sociedade pela categoria, também levando à mobilização deflagrada em dezembro de 2021, quando a Receita Federal teve seu orçamento para 2022 (R$ 2,18 bilhões) cortado em R$ 1,12 bilhão, sendo R$ 600 milhões exatamente da área da tecnologia, de modo a restar apenas R$ 1,06 bilhão.
E tal perda em investimentos e custeio revela-se mais absurda ao se perceber que tais cortes orçamentários são sistemáticos e deliberados, de modo que, mesmo desconsiderando as significativas perdas inflacionárias no período, o orçamento minguado à Receita Federal para 2022 representa apenas 35,93% daquele definido para o mesmo órgão em 2018, no valor de 2,95 bilhões, em claro e irresponsável descumprimento à garantia constitucional de recursos prioritários para as administrações tributárias (art. 37, XXII).
É contra essa realidade que lutam os Auditores-Fiscais, protestando publicamente contra a falta de concurso público e os reiterados cortes orçamentários que fragilizam a Receita Federal e, naturalmente, o controle extrafiscal exercido pela Aduana. No mínimo, a categoria espera que tais demandas em favor do interesse público sejam atendidas antes das demandas em favor dos interesses privados.
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