Ponto eletrônico: a inaceitável burocratização da atividade fiscal
Dentre as muitas limitações que, ao longo dos anos, têm pairado como ameaça sobre a autonomia e o raio de atuação dos Auditores-Fiscais, a possibilidade de instituição de controle eletrônico de ponto é certamente uma das mais nocivas. Ela subverte a lógica de funcionamento da administração tributária e ignora elementos essenciais para o exercício da autoridade fiscal e aduaneira: o dinamismo, a flexibilidade, o caráter eminentemente intelectual da atividade e o poder decisório inerente à função.
O cargo de Auditor-Fiscal não é simplesmente mais um na cadeia burocrática da administração pública, ainda que poderosos interesses venham tentando reduzi-lo a tal. A participação mais ostensiva em grandes investigações de corrupção e de sonegação, os embates recentes com figurões influentes da República, os recordes sucessivos na apreensão de drogas e mercadorias contrabandeadas nas aduanas: tudo isso vêm despertando, em alguns grupos, o desejo de “domesticar” os Auditores, engessar sua autonomia, cercear-lhes o escopo de atuação. Impor a restrição do controle eletrônico de ponto é “entregar o ouro ao bandido”.
As competências e responsabilidades conferidas aos Auditores requerem proatividade, versatilidade intelectual e dedicação sui generis, passíveis de mensuração a posteriori, por produtividade e resultados, e não pelo método arcaico e absolutamente ineficiente da contagem de horas na repartição. Até porque grande parte desse trabalho é executado extramuros: ainda que os balanços e documentos contábeis das empresas venham até os Auditores, as próprias empresas não vêm; grandes esquemas de sonegação frequentemente escondem nuances que os papéis (ou arquivos digitais) não revelam; contrabandistas não batem na porta da Receita Federal pedindo para serem fiscalizados. Enfim, o fato gerador não cai no colo dos Auditores; estes é que têm a obrigação de ir atrás dele, onde quer que esteja.
A classe e a sociedade precisam estar cientes de que esta não é uma mera pauta corporativa. Burocratizar e impor amarras à atuação fiscal, constrangendo Auditores a registrarem presença na repartição, são iniciativas que fatalmente vão desaguar em maior liberdade para esquemas de contrabando, de sonegação e de corrupção. Não é uma pretensão inofensiva: retira-se a flexibilidade indispensável àqueles que fiscalizam o cumprimento das leis tributárias e aduaneiras para dá-la àqueles que as burlam.
A Direção Nacional do Sindifisco vem, há alguns meses, manifestando sua extrema preocupação ao governo e à administração da Receita Federal. A posição estratégica dos Auditores no arcabouço do Estado brasileiro deve ser protegida, suas atribuições e responsabilidades devem ser blindadas, a autonomia e a flexibilidade indispensáveis ao pleno exercício das suas funções devem ser resguardadas, a fim de que se possa resguardar a própria razão de ser do órgão.
Ante a iminência da implantação do projeto-piloto do ponto eletrônico, em Brasília, prevista para o dia 2 de janeiro, o assunto tornou-se urgente e precisa de um equacionamento imediato, antes que os danos se tornem irreversíveis. Não é possível, em nenhuma hipótese, aceitar essa imposição burocrática no fluxo do trabalho fiscal, sob o risco de comprometer-se a própria essência do cargo de Auditor-Fiscal, desvirtuando-a por completo.