Nota Pública de Repúdio sobre o concurso da Receita Federal 2022/2023

O Sindifisco Nacional, entidade que representa os Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (RFB), vem novamente a público manifestar sua preocupação com o processo seletivo regido pelo Edital RFB nº 1/2022, destinado a repor parte dos quadros funcionais da Receita, órgão essencial para a manutenção do Estado brasileiro.
Em 20 de abril de 2023, o Sindifisco Nacional já havia se manifestado, por meio de Nota Pública de Repúdio (leia aqui) que abordava de forma contundente aspectos relevantes do concurso público sob a responsabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV): o “descaso com a seleção, que é tida pela mídia especializada como uma das mais desafiadoras do Brasil e movimenta centenas de milhares de candidatos a cada edição, é, no mínimo, acintoso e não encontra respaldo nos princípios constitucionais que regem a atuação da Administração Pública”.
Agora, manifestação do Sindifisco Nacional se faz novamente necessária em razão de situações que, juntas, podem comprometer a justa conclusão do certame, impedindo que candidatos aptos ao cargo sejam finalmente nomeados. Tais ocorrências, inclusive,já motivaram centenas de processos levados ao Judiciário e ao Ministério Público Federal.
A primeira situação se refere à reprovação injusta de dezenas de candidatos na etapa objetiva – por não terem sido revertidas à ampla concorrência as vagas não ocupadas por candidatos negros e por pessoas com deficiência naquela etapa.
Neste caso, houve tanto o desrespeito ao § 3º do art. 3º da Lei nº 12.990/2014, que reserva às pessoas negras 20% das vagas e prevê a reversão delas para a ampla concorrência, no caso de não haver candidatos suficientes aprovados nessa condição, quanto a inobservância do § 5º do art. 1º do Decreto nº 9.508/2018, que reserva, no mínimo, 5% das vagas para pessoas com deficiência e prevê a possibilidade de ocupação dessas vagas por candidatos sem deficiência, em caso de não haver inscrição ou aprovação de candidatos com deficiência no concurso público.
Enfim, as vagas reservadas aos candidatos negros e às pessoas com deficiência, por meio de legislação própria, em caso de não virem a ser ocupadas deveriam ter sido revertidas à ampla concorrência, tal como determina a legislação. Ou seja, ao não se fazer o prescrito em lei, a FGV promove o seu descumprimento.
A segunda ocorrência diz respeito a uma polêmica envolvendo uma questão específica da prova discursiva – questão que tratava das contribuições devidas ao SESC. Em tal questão, o espelho da correção faz referência expressa ao artigo 3º, caput, da Lei nº 11.457/2007. Entretanto, professores de cursos preparatórios – entre eles, um renomado Auditor-Fiscal – não conseguiram chegar a uma conclusão única acerca da resposta correta: a resposta dependeria, entre outros pontos, do contexto sobre se houve celebração de convênio com a administração pública ou não.
Além disso, consultado o dispositivo legal informado no espelho da correção, elaborado pela banca da Fundação Getúlio Vargas, artigo 3º, caput, da Lei nº 11.457/2007, verifica-se que trata de extensão às contribuições devidas a terceiros, daquelas competências atribuídas à Secretaria da Receita Federal do Brasil para “planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas à tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e da contribuições instituídas a título de substituição.”
Ora, obviamente, fica claro: o fato de não haver sequer menção à cobrança judicial implica que não se pode dizer que tal cobrança estaria, expressamente, atribuída à União.
Não bastasse o desacerto da correção em seus fundamentos, os candidatos não puderam recorrer do espelho de correção elaborado pela banca da FGV, embora a banca tenha recebido pelo serviço, conforme contrato assinado com a RFB.
Ademais, ao contrário dos três editais anteriores de concurso para o cargo de Auditor-Fiscal, que contavam com a previsão da Lei nº 11.457/2007 no assunto “Contribuições por lei devidas a terceiros”, faltou ao edital atual do concurso a previsão específica de tal lei.
Mas não acaba por aí!
Entre os candidatos que puderam recorrer, esperando ter suas considerações analisadas, houve mais frustração. Infelizmente, as inúmeras respostas aos recursos se limitaram a transcrever o mesmo conteúdo informado no espelho de correção, sem considerar os pontos específicos elencados pelos candidatos. Em resumo, houve falta de justificativa nas respostas aos recursos, sendo que muitos deles contaram com a simples mensagem “mantida a nota do candidato”.
Desse fato resultou que, segundo a Comissão formada pelos próprios candidatos, a FGV resolveu zerar as questões de centenas de candidatos, acarretando sua reprovação. Como consequência de apenas esse erro, grosseiro, reprovando aproximadamente mais de 200 novos possíveis Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, o que corresponde a quase 40% do novo quadro funcional, ferindo os princípios da legalidade, da vinculação ao edital, da isonomia e da razoabilidade, dentre outros.
Este é o quadro relativo à condução do concurso em andamento pela FGV que visa, minimamente, proceder à reposição dos quadros da Receita Federal que há muito tempo apresenta situação de defasagem funcional.
Recentemente, o Sindifisco Nacional visitou localidades em várias regiões do país em busca de informações sobre as condições de trabalho dos Auditores-Fiscais, o que resultou em numerosas reportagens que apontam um diagnóstico de extrema redução dos quadros funcionais:
“Visitas às unidades de fronteira do Rio Grande do Sul constatam falta crônica de pessoal” (04/07/2023), “Falta de pessoal pode resultar no fechamento de unidades da Receita Federal em Santa Catarina” (17/07/2023), “Fronteiras: Visitas a unidades do Paraná e Mato Grosso do Sul revelam mesmos problemas constatados no resto do país” (04/08/2023), “Dificuldade de acesso e falta de pessoal marcam visita ao Amapá” (19/06/2023) e “Falta de pessoal é problema recorrente nas unidades da Receita Federal no Pará” (07/06/2023).
E as visitas não foram por acaso. O déficit de pessoal é um problema grave da Receita Federal do Brasil. Tanto que, em matéria divulgada em 30 de agosto de 2023 pelo Estadão, a RFB anunciou a suspensão das atividades em 12 agências nos estados do Paraná e de Santa Catarina sob a justificativa de falta de servidores.
O último concurso público foi em 2014, com abertura de poucas vagas e, desde então, o número de Auditores-Fiscais ativos foi reduzido quase pela metade, conforme fonte da própria RFB. Além disso, a elevada idade média da categoria evidencia a necessidade de oxigenação no órgão. Atualmente, uma em cada três autoridades fiscais está em condições de se aposentar, o que torna a situação extremamente preocupante.
Em adição, é imperativa a remoção de diversos agentes públicos oriundos dos últimos concursos, que hoje exercem suas atribuições em unidades de difícil provimento, em particular nas regiões de fronteira. Aliás, uma reclamação presente em todas as unidades visitadas pelo Sindifisco Nacional foi exatamente a falta de previsibilidade da realização de concursos de remoção impedindo que os Auditores-Fiscais, ao menos, possam planejar as suas vidas. Atualmente, há Auditores que estão há quase dez anos em unidades de difícil provimento.
Esta situação preocupante, que resulta na redução da prestação de serviços aos cidadãos ou na dificuldade no acesso a tais serviços, é apenas uma pequena amostra da grave consequência da redução dos quadros da RFB em todo o país. Neste sentido, é premente que o concurso seja conduzido de forma que, respeitados o Edital e os critérios objetivos de aprovação, sejam aproveitados os candidatos aprovados; de maneira que venham a alinhar-se aos mais diversos interesses mas, especial e preponderantemente, que prevaleça o interesse público.
Desse modo, novamente o Sindifisco Nacional repudia a forma como continua sendo conduzido o concurso público regido pelo Edital RFB nº 1/2022 e exorta a Administração Pública e a sociedade civil a promover os devidos mecanismos de correção. De modo que o problemático processo em andamento eleve-se ao atendimento dos princípios da Administração Pública e, paralelamente, seja implementada reformulação nos próximos certames, com a necessária participação, no que não for albergado por necessário sigilo, desta entidade sindical.