MP 696 e os riscos para os planos de previdência dos servidores públicos
Depois de intensos debates em torno na questão da fiscalização dos fundos de previdência dos servidores públicos vinculados ao RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), a Câmara dos Deputados encerrou, nesta quinta-feira (18), a votação da MP 696/15 de forma insatisfatória aos Auditores Fiscais da Receita Federal. O texto aprovado ignorou os apelos do Sindifisco e de deputados sensíveis ao tema, e manteve o trecho da Medida que transfere para os Auditores Fiscais do Trabalho a supervisão dos regimes próprios no País. Agora, a medida ostentada pelo Governo como uma ferramenta anti-crise modelar, por reduzir ministérios e cortar cargos de confiança no “quintal de casa”, corre o risco de se tornar um modelo do que não se deve fazer em administração pública.
A transferência da competência de fiscalização dos regimes próprios representa sérios riscos para a sustentabilidade dos fundos de previdência dos servidores e para os próprios segurados do RPPS em todo o Brasil. Existem, hoje, 2.072 regimes próprios mantidos pela União e pelos estados e municípios, com cerca de 10 milhões de segurados e 30 milhões de beneficiários indiretos. Dessa forma, o centro da discussão sobre a questão fiscalizatória do Regime Próprio deve recair sobre a qualidade e eficiência do trabalho prestado pelos auditores, em se tratando de recursos que precisam ser geridos corretamente e com responsabilidade por longos anos para garantir uma aposentadoria justa aos servidores, que por tanto tempo cedem uma fatia de sua remuneração à previdência.
Mesmo considerando a seriedade e o comprometimento dos auditores fiscais do Trabalho, que cumprem um importante papel social na salvaguarda dos direitos trabalhistas – direitos estes específicos da esfera trabalhista –, a DEN (Diretoria Executuiva Nacional) entende e vem defendendo assiduamente que a fiscalização sobre o repasse de contribuições e o combate aos desvios de recursos nos regimes do RPPS são atribuições próprias dos Auditores Fiscais da Receita Federal. Isso porque a categoria tem pleno domínio de temas essenciais à atuação fiscalizatória, como ciências atuariais, contabilidade pública, mercado financeiro e legislação previdenciária, tributária, financeira e orçamentária: um conjunto de know-how que não pode ser ignorado e, muito menos, subvalorizado.
Não por acaso, a supervisão exercida há 15 anos pelos Auditores Fiscais da Receita Federal sobre os regimes próprios contribuiu para um salto de R$ 19 bilhões, em 2004, para R$ 170 bilhões, em 2014, nos recursos financeiros – somados aos ativos incorporados – dos fundos previdenciários. A expertise e o profissionalismo dos Auditores são reconhecidos pelos dirigentes e segurados do RPPS de norte a sul do País, graças ao papel fundamental voltado à melhoria da gestão e à sustentabilidade dos regimes próprios.
Os Auditores Fiscais do Trabalho devem permanecer com suas atribuições originárias e indispensáveis ao controle social das relações entre patrões e empregados. Seria impensável imaginar um cenário em que os Auditores da Receita Federal fossem impelidos a supervisionar e inibir o trabalho escravo nas carvoarias ou o trabalho infantil em lixões Brasil afora. A capacidade técnica para lidar com situações tão específicas como essas não é exigida do Auditor Fiscal da RFB que, da mesma forma, não teria bagagem prática para impedir grandes empresários de cometer infrações coletivas contra trabalhadores, num outro cenário hipotético.
O que dizer, então, da ideia de uma atividade tão própria como é o controle financeiro e operacional dos fundos de previdência ser destinada a uma categoria que não guarda nenhuma similaridade com o RPPS e, por isso, não detém os conhecimentos exigidos para a função?
Como é sabido, a finalidade da Receita Federal é precipuamente de fiscalização tributária e de elaboração de política tributária, enquanto a Secretaria da Inspeção do Trabalho existe para impor o cumprimento da legislação trabalhista e defender o direito dos trabalhadores. A própria OIT (Organização Internacional do Trabalho) já aprovou tratados e convenções que recomendam a existência de órgão individualizado de inspeção e fiscalização do trabalho. Em outras esferas, o MPOG (Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão) e a SRF (Secretaria da Receita Federal) se manifestaram contrariamente às emendas propostas pela MP 696, demonstrando evidentes distinções entre as atribuições do Auditor Fiscal da Receita e do Auditor Fiscal do Trabalho, e apontando a falta de estudos que embasem a alteração nos cargos.
Há um grave temor de que a mudança proposta pela MP 696 possa causar uma desordem administrativa que fatalmente confrontará os princípios constitucionais da eficiência e da economicidade. Princípios estes norteadores das medidas anti-crise do Governo Federal: um contrassenso que ainda pode, e deve, ser corrigido na apreciação da MP 696 pelo Plenário do Senado e, ainda, pela própria presidente da República, por meio de um eventual veto parcial da Medida Provisória.
Apesar da manifestação da RFB contrária à proposição, a ação do órgão ainda se mostra tímida e insuficiente em defesa das competências da Casa. O Sindifisco Nacional espera que, no Senado, a Administração some esforços com o Sindicato e com os Auditores na defesa da instituição.