Norma retira do Auditor seu principal instrumento de trabalho
A MP (Medida Provisória) 507/2010 é um exemplo de norma criada sem levar em conta os anseios da sociedade. A MP foi editada para dar uma resposta à exploração política de fatos isolados, que atingiu a imagem de um órgão sério e indispensável ao funcionamento do Estado, como a RFB (Receita Federal do Brasil), e de seus zelosos e competentes agentes – entre eles, os Auditores-Fiscais.
A Receita Federal do Brasil e seus agentes atuam com denodo e idoneidade no combate aos ilícitos tributários que desviam os recursos do Erário e, consequentemente, da sociedade que deles necessita para que se convertam em segurança, saúde, educação. No entanto, o órgão está sendo vítima imediata desse processo distorcido. As próximas vítimas serão todos os cidadãos que honram suas obrigações tributárias.
O sonegador é alguém que nega aos cidadãos até mesmo o direito à vida, uma vez que se apropria dos recursos que serão carreados à saúde pública, e condena pessoas a morrerem em uma fila sem um atendimento condizente. Sonegadores também negam aos jovens a cidadania e o direito a uma vida digna, na medida em que se apropriam de recursos que seriam investidos em sua formação e educação. Por falta dessas ações, muitas vezes esses jovens são seduzidos pelo crime, tendo também suas vidas destruídas.
Mas não basta criar leis que reflitam os anseios sociais. É preciso que haja agentes do Estado encarregados de fazer cumprir as leis. Para tanto, esses agentes devem estar providos dos meios necessários à consecução de seu desiderato legal. Os policiais recebem armas. Um instrumento que deve ser usado com cautela e moderação, mas que tem de estar à disposição, ao alcance, daqueles a quem lhes foi conferido o uso. No caso dos agentes fiscais e demais servidores da Receita Federal do Brasil, o principal instrumento disponível para fazer cumprir as leis tributárias é a informação.
Essa questão e o sopesar de valores sociais estiveram presentes na discussão sobre o acesso às informações bancárias dos contribuintes, sendo motivo de magníficas manifestações do Judiciário. Em inúmeras decisões, o Judiciário afirma que a intimidade é um direito do cidadão, mas que não pode se sobrepor à supremacia do interesse da coletividade.
A Medida Provisória 507 subverte a escala de valores e, de uma forma incompreensível cria situações absurdas, definindo de forma vaga, imprecisa e distorcida condutas que intimidam os agentes de Estado no uso de seu principal instrumento de combate aos ilícitos tributários.
Seguindo a analogia com a arma do policial, seria como dizer que ele deve mantê-la em cofre e que, para seu uso, deve antes comprovar por meio de uma infinidade de medidas sua real necessidade. O policial que faz mau uso de sua arma deve responder por isso, os agentes do Fisco que fazem mau uso das informações sob sua guarda devem, da mesma forma, ser responsabilizados. Contudo, afastá-los ou intimidá-los quando do uso de seus instrumentos de trabalho é ferir de morte os interesses da sociedade que devem proteger.
Aqueles que não cumprem suas obrigações tributárias e para isso se utilizam dos mais sofisticados e intrincados meios, devem estar comemorando a edição da Medida Provisória 507 como mais uma medida a proteger seus interesses escusos.
A malfadada norma afirma que “será punido com pena de demissão, destituição de cargo em comissão, ou cassação de disponibilidade ou aposentadoria o servidor público que permitir ou facilitar, mediante atribuição, fornecimento, empréstimo de senha ou qualquer outra forma, acesso de pessoas não autorizadas a informações protegidas por sigilo fiscal”. Pergunta-se: o que é “facilitar”? O que seria “qualquer outra forma”? Quem são as “pessoas não autorizadas”?
Imagine-se que o servidor analisa um processo instruído com a Declaração de Ajuste Anual de um contribuinte e que o agente da portaria se aproxima para informar-lhe que um contribuinte está lhe aguardando para atendimento. Presume-se que o agente de portaria não seja uma das pessoas autorizadas a ter acesso a essa informação. A que distância poderá este se aproximar antes que, incontinente, o processo seja fechado sem que se configure a “facilitação”? Ao se levantar para atender o contribuinte ou mesmo para satisfazer suas necessidades fisiológicas onde o referido processo deverá ficar sem que se configure o ato de “facilitar” seu acesso? Em um cofre? Cada servidor da Receita Federal terá um? E ao se dirigir a um estabelecimento de uma empresa com informações sobre seus negócios e rendas, deverá requisitar um carro-forte?
Essas e tantas outras situações surreais podem ser vislumbradas na leitura da abominável Medida Provisória, gerando uma total e completa insegurança e engessando a atividade fiscalizadora que consiste, primordialmente, na consulta de uma infinidade de informações para a detecção de ilícitos tributários e a consequente aplicação das normas legais.
Na avaliação do Sindifisco Nacional, em vez de proteger o cidadão, a MP instaura o caos na RFB e, por isso, precisa ser urgentemente revista, a fim de se evitar mais prejuízos.