Luiz Fux discute sonegação e lavagem de dinheiro em seminário
O seminário “A sonegação fiscal como crime antecedente à lavagem de dinheiro”, promovido pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), com apoio do Sindifisco Nacional, teve início na segunda à noite (26), no auditório da PGFN, em Brasília (DF). O seminário conta com a coordenação conjunta da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
O evento, que continuou nesta terça (27), foi prestigiado pelo presidente da entidade, Kleber Cabral e pelos diretores de Administração e Finanças Maria Aparecida Gerolamo e Elias Carneiro. O objetivo do seminário é debater com o meio técnico-jurídico e acadêmico as temáticas relacionadas à Ação nº 14/2019 da ENCCLA – uma das 14 ações a serem efetivadas em 2019 – centrando-se nos debates jurídicos em torno dos crimes tributários como antecedentes à lavagem de dinheiro e da lavagem como crime autônomo.
A mesa de abertura foi composta pelo vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, que proferiu a primeira palestra; pelo embaixador do Reino Unido no Brasil, Vijay Rangarajan; pelo procurador-geral da Fazenda Nacional, José Levi Mello do Amaral; pelo subsecretário de Fiscalização da Receita Federal Iágaro Martins; pela diretora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, Erika Marena; pelo diretor do Departamento de Patrimônio Público e Probidade da Procuradoria-Geral da União (PGU), Vanir Fridrickzewski, e pelo coordenador-geral de Repressão à Corrupção e Lavagem de Dinheiro da Polícia Federal, Márcio Anselmo.
Em sua rápida saudação, o subsecretário de fiscalização da Receita afirmou que, nos últimos anos, o órgão vem identificando “situações de blindagem patrimonial” e constatando que a sonegação sempre vem acompanhada da lavagem de dinheiro. Diante disso, o órgão desenvolveu ferramentas de engenharia reversa que redesenharam a forma de identificar os ilícitos, a partir de sua ampla base de dados. Como resultado, o Fisco chegou a nomes importantes de agentes públicos das três esferas de poder e, em retaliação, a Receita e os Auditores-Fiscais passaram a sofrer uma grande onda de ataques, que se agravaram nas últimas semanas.
“Às vezes, por sermos eficientes demais (…) somos penalizados com uma incompreensão do real papel desempenhado pelas nossas instituições”, lamentou Iágaro Martins. “Esperamos que, num curto prazo, haja a compreensão dessa atividade de identificação da sonegação, em especial dos agentes públicos (…) e que possamos reforçar o papel das instituições”, concluiu.
Conduta “tolerável” – A representante do Ministério da Justiça, por sua vez, enfatizou que “os impactos da lavagem de ativos na manutenção das estruturas criminosas vêm se tornando algo cada vez mais claro no cenário brasileiro” e contestou a ideia, projetada do senso comum, de que a sonegação é “conduta tolerável ou de menos reprovabilidade”, diante da alegada alta carga tributária e do pouco retorno social dos impostos.
Para Erika Marena, é justamente a sonegação quem contribui com o aumento de tributos e este tipo de crime, cometido de forma intencional e previsível, causa concorrência desleal e até a falência de empresas. Diante disso, ela considerou pertinente a discussão proposta pelo seminário, especialmente por ser do Poder Judiciário, em última análise, a competência pela “definição da gravidade e da reprovabilidade das condutas ligadas à sonegação”.
Em seguida, o embaixador Vijay Rangarajan elogiou os esforços do Brasil no combate aos crimes financeiros e disse que uma eventual adesão do país à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) seria importante para todos os demais países, por possibilitar uma troca de experiências e de informações também na esfera penal. O procurador José Levi encerrou a abertura do seminário destacando que “a sociedade brasileira vive uma plena e saudável democracia”, que deve ser constantemente aprimorada. “Certamente, nesse esforço, o combate incessante à corrupção e à lavagem de dinheiro é parte estratégica, essencial, desse empenho”, declarou.
Luiz Fux – Logo após a abertura, o ministro do STF Luiz Fuz proferiu a primeira palestra do seminário, discorrendo sobre os aspectos jurídicos da sonegação fiscal como crime antecedente à lavagem de dinheiro. O direito penal brasileiro entende que a lavagem de dinheiro é consequência de outros crimes – como tráfico, extorsão e corrupção – e a Suprema Corte, sem consenso, ainda não se debruçou sobre a possível tipificação do crime ocorrer de forma autônoma, desconsiderando os antecedentes.
Antes de discutir a questão, Fux relembrou que, apenas 15 depois de assumir o cargo de ministro do STF, julgou o primeiro caso envolvendo corrupção e lavagem de dinheiro. “O que mais me chamou a atenção foi o fato de que havia uma indiferença dos homens públicos em relação aos malefícios que causavam à sociedade”, comentou. “Cada ato de corrupção é mais um hospital sem leito, mais uma criança que passa fome; uma comunidade que fica sem saneamento e que é um centro de proliferação de doenças infectocontagiosas”, acrescentou o ministro, citando o teor de seu voto naquele julgamento.
Fux considerou o tema do seminário “deveras desafiador” porque os réus usam diversos artifícios para fugir da punibilidade dos crimes, inclusive os praticados no âmbito fiscal. Pontuou que até mesmo no notório julgamento do chamado “mensalão”, a sonegação não era considerada crime antecedente à lavagem de dinheiro porque não havia previsão expressa no rol de antecedentes constante da Lei 9.613/98. Mais tarde, no entanto, a Lei 12.683/12 excluiu esse rol específico de crimes anteriores, possibilitando a caracterização da lavagem de dinheiro como resultado de qualquer tipo de infração penal.
Súmula 24 – Outro aspecto importante citado pelo ministro diz respeito à constituição do crédito tributário. Por meio da Súmula Vinculante 24, o STF firmou o entendimento de que o crime tributário só pode ser tipificado depois do lançamento definitivo do crédito – ou seja, depois de esgotado o processo administrativo conduzido pela Receita Federal. “Mas vejam, são bens jurídicos completamente diferentes”, contrapôs Fux. “Se o crime tributário já foi cometido (…) o importante é que, por força desse crime tributário, houve a ocultação de bens, houve a introjeção de um capital ilícito no meio formal dos capitais lícitos, e isso é suficiente para caracterizar a lavagem de dinheiro”, opinou.
Para o ministro, a sonegação deveria ter o mesmo tratamento dos crimes de corrupção, que a Suprema Corte entende caracterizado “independentemente da prática do ato de ofício”. “Se houve uma promessa para determinado fim, ou se aceitou uma determinada vantagem, o crime [de corrupção] se revelava meramente formal, mas já se considerava consumado”, comparou.
Por fim, Fux reiterou que a lavagem de dinheiro deve ser tratada como crime de per si, de forma a não beneficiar quem pratica outros crimes, como o de sonegação. Como exemplo, citou o julgamento do ex-prefeito e ex-governador Paulo Maluf, condenado por lavagem de dinheiro, pelo STF, mesmo depois de os crimes antecedentes de corrupção e sonegação já estarem prescritos.
O seminário foi retomado nesta terça (27), com a realização de palestras e painéis que discutiram a autonomia do crime de lavagem de dinheiro em relação ao delito antecedente, a Súmula Vinculante 24, os instrumentos de combate ao crime utilizados no Reino Unido e as vantagens econômicas dos ilícitos tributários.