FIT 2023: Palestrantes debatem desafios para implantar sistema tributário progressivo na América Latina

A experiência da Colômbia na implementação de uma reforma tributária progressiva abriu o painel “Perspectivas da Tributação Progressiva”, coordenado pelo diretor-adjunto de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional, Marcelo Lettieri, no segundo dia de debates do Fórum Internacional Tributário (FIT) 2023. A vice-ministra da Fazenda da Colômbia, María Fernanda Valdés, apresentou dados sobre as desigualdades do sistema tributário colombiano, cenário semelhante ao do Brasil e de outros países da América Latina. A Colômbia apresenta uma altíssima concentração de renda, o que pode ser medido pelo coeficiente de Gini: 0,54 em 2020. O Brasil vem logo em seguida, com coeficiente de 0,48. Na sequência estão México (0,45) e Chile (0,44).

Para reverter o quadro, em 2022, o governo colombiano pôs em prática uma reforma tributária visando à progressividade do sistema: isentou rendas inferiores a 10 milhões de pesos (aproximadamente R$ 12 mil) e incluiu aqueles com maior capacidade contributiva. Além disso, estabeleceu como metas a redução dos benefícios fiscais, o aumento da tributação das atividades com maior capacidade contributiva para o financiamento das políticas sociais e a expansão das fontes de recursos. Passado um ano, a reforma tributária ampliou a arrecadação em 3,4% do PIB colombiano, sobretudo em razão da tributação do 1% mais rico da população.

María Fernanda também destacou a criação da Plataforma de Tributação Latino-Americana e do Caribe (PTLAC) durante a Cúpula para Tributação Justa e Sustentável, em Cartagena, para reunir posições tributárias conjuntas do continente, criada numa parceria entre Colômbia, Brasil e Chile, com forte participação da sociedade civil.

Imposto de renda progressivo

Sergio Chaparro Hernandez, integrante do Tax Justice Network, falou sobre perspectivas internacionais do Imposto de Renda de Pessoa Física progressivo. Para ele, o IRPF é o instrumento tributário com maior potencial para aumentar os recursos fiscais e reforçar a redistribuição de renda na América Latina e no Caribe. “É necessário abordar as dimensões internacionais e cooperar regionalmente para alcançar seu potencial”, defendeu.

O palestrante apresentou um panorama internacional e regional do Imposto de Renda. Destacou que, nas últimas três décadas, a carga tributária na América Latina aumentou de 15,3% em 1991, para 22,7% em 2019, concentrando-se principalmente nos impostos sobre o consumo e sobre a renda do trabalho.

Analisando a realidade do Brasil, o estudioso destacou que o país está muito atrás daqueles com alta renda em termos de arrecadação de IR, como o Uruguai, por exemplo. Hernandez também ressaltou a importância da discussão internacional da soberania tributária em contextos de interdependência. Nesse sentido, defendeu um pacto fiscal progressivo baseado em cinco pilares: aumentar receitas, redistribuir, reprecificar, representar adequadamente e reparar.

Por fim, ao abordar o caminho a seguir e as oportunidades, Hernandez reforçou a importância do uso da PTLAC, em conjunto com países da África, para trocar informações sobre a tributação das maiores rendas, bem como descobrir onde estão as riquezas. Para ele, a próxima Assembleia Geral das Nações Unidas será uma importante oportunidade para que os Estados decidam se vão avançar em uma Convenção Tributária Internacional.

Compromissos governamentais 

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, encerrou o painel criticando o modelo que vinha sendo adotado no Brasil, estruturado no congelamento de gastos públicos, em especial os voltados ao social, na diminuição dos investimentos públicos e na redução estrutural da base fiscal do Estado, e reafirmou o compromisso do governo com a questão tributária e com a retomada do crescimento.

Os primeiros passos, segundo ele, foram a composição do orçamento dos programas sociais e a construção do novo regime fiscal, capaz de financiar as políticas públicas e sinalizar para a recuperação do resultado primário. Para o economista, um dos principais desafios é a reversão de gastos tributários que foram erodindo a base fiscal, e a cobrança de impostos daqueles que atualmente não pagam. “Estamos falando de equidade e de justiça tributária”, afirmou.

Guilherme Mello destacou que o governo apostou na divisão da reforma tributária em duas etapas. A primeira focou no consumo. Ele admitiu que essa etapa tem menos impacto sobre as desigualdades, embora acredite que o cashback possa se tornar uma importante ferramenta de distribuição de renda. Defendeu ainda que as mudanças sobre a tributação do consumo terão impacto positivo na diminuição dos litígios, na competitividade e no crescimento econômico. A reforma sobre a tributação da renda, segunda etapa da reestruturação fiscal do país, que tem o objetivo de “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”, já está em discussão. Guilherme Mello destacou mudanças no Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotivos (IPVA), na tributação sobre offshores e fundos fechados, focando nos super-ricos.

A terceira edição do FIT acontece até esta quarta (30), em Brasília. O evento é uma promoção da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais (Fenafim) e do Comitê Nacional dos Secretários da Fazenda dos Estados e do DF (Comsefaz).

Finalizando o debate, Marcelo Lettieri apresentou questionamentos feitos pelo público presente no auditório e também enviados pela internet.

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