Governo ameaça criar uma crise dentro de outra

A possibilidade de suspensão do pagamento da próxima parcela do reajuste de dezenas de categorias do serviço público, além de por em xeque a credibilidade do Governo, pode, ao contrário do que o Executivo planeja, agravar os efeitos da crise econômica, em vez de atenuá-los. O argumento do Governo para propor tal corte se baseia na queda da arrecadação de tributos e no tombo do PIB (Produto Interno Bruto) no último trimestre de 2008.

Porém, o Governo esquece que os servidores já pagaram essa conta, quando recaiu sobre eles o ônus do fim da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), que prorrogou as negociações e protelou a concessão de reajustes, que já deveriam ter sido efetivados há muito mais tempo.

Os reajustes salariais só foram concedidos após longas negociações e de uma desgastante greve na Receita Federal que parou portos, aeroportos e pontos de fronteira, causando filas de caminhões, atraso nas entregas, férias coletivas e desemprego, além de reduzir em mais de 30 bilhões de reais, conforme admitido pelo próprio Governo, o crédito tributário lançado pelos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil durante o ano de 2008. Não se deve esquecer que a greve só foi contornada após declaração pública do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, de que haveria efetividade nas negociações e de que elas seriam respeitadas e implementadas em lei.

Agora, com as novas declarações do ministro do Planejamento, de que até maio o Governo terá uma posição sobre o pagamento da parcela acordada para julho, o Executivo assume o risco de potencializar um problema para o qual ele argumenta buscar soluções.

Primeiro porque, a postergação dos reajustes, se efetivada, irá desencadear uma onda de insatisfação, que redundará em mobilizações e, muito provavelmente, em novas greves. Segundo porque, entre as categorias que o Governo ameaça, estão justamente aquelas que são estratégicas para que o país reverta esse momento de crise: as carreiras do Tesouro Nacional, do Banco Central, da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria da Fazenda Nacional.

Em resumo, o Governo está ameaçando criar uma crise dentro de outra. Não será fácil para o Executivo administrar, num momento economicamente difícil (a crise mundial) e politicamente importante (ano pré-eleitoral), um clima de insatisfação generalizada entre os servidores públicos, principalmente aqueles aos quais cabe a responsabilidade de buscar os recursos necessários ao Estado brasileiro neste momento.

Tal quadro se agrava se lembrarmos que diversas outras categorias, seguindo o calendário acordado com o Governo, já receberam em 2009 uma parcela do reajuste, criando uma diferenciação entre os servidores federais.

Se a intenção do Governo é, realmente, barrar os efeitos drásticos que podem assolar a economia do Brasil, não é desonrando acordos realizados com o funcionalismo público que irá fazê-lo, mas sim baixando os juros da dívida a padrões civilizados, a fim de aliviar a necessidade de superávit primário na ordem de indecentes R$ 170 bilhões por ano, que têm por finalidade satisfazer ganância especulativa do setor financeiro, que, afinal, foi o grande causador da crise mundial.

O cumprimento do que foi acordado com as categorias de servidores – entre elas, a dos Auditores-Fiscais – não significará um prejuízo aos cofres públicos. Ao contrário, será um incentivo ao esforço já realizado pela Classe dos Auditores e por outras categorias, no sentido de garantir os recursos necessários à manutenção do Estado, sobretudo neste período de crise.

Na parte que lhes cabe, os Auditores-Fiscais já deram mostra suficiente da capacidade técnica que possuem e do comprometimento que têm com o país. Estão, como sempre estiveram, prontos para dar as respostas de que o Governo precisa para superar a crise, como apoiar programas que busquem ampliar o combate à sonegação, o que pode gerar arrecadação e beneficiar as empresas que criam empregos e desenvolvimento para o país.

Mas, para isso, o Governo tem de cumprir o que negociou, fazendo a opção correta: a de garantir os reajustes acordados e preservar o clima necessário à superação da crise.

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