Editorial: Administração da Receita Federal coloca em risco o interesse público para boicotar a mobilização dos Auditores-Fiscais

A Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana), no meio de uma das maiores mobilizações da categoria, decide colocar em curso medidas que promovem a liberação de mercadorias importadas sem nenhum controle aduaneiro. Isso porque resolveu desativar os parâmetros fixos do sistema de parametrização dos despachos de importação, que existem desde o início das parametrizações dos despachos no SISCOMEX, ou seja, 1997.
Determinados tipos de despachos aduaneiros – como de mercadorias transportadas a granel, plantas e animais vivos, papel para impressão de livros, jornais e periódicos, produtos importados por órgãos públicos e outros -, que, por suas características, poderiam se utilizar dos chamados despachos antecipados, eram sempre parametrizados no mínimo para canal amarelo. Isso porque, por serem antecipados, são despachos aduaneiros pendentes de documentação ou de informações, o que exigia sempre uma retificação posterior para complementação de informações. Essas complementações podem implicar até recolhimentos complementares de tributos. Nos despachos antecipados, portanto, o importador pode registrar a DI mesmo antes das mercadorias chegarem no território nacional, mas o conjunto de informações prestadas precisará ser complementado quando da efetiva chegada da carga.
A existência destes parâmetros fixos, impedindo a seleção para o canal verde, segue a lógica de que tais despachos aduaneiros nascem incompletos, portanto, interrompidos automaticamente para que sejam retificados posteriormente à chegada das mercadorias.
Pois bem, em meio a uma intensa mobilização dos Auditores-Fiscais, que, no controle aduaneiro se opera pela realização da Operação-Padrão, a Coana resolveu desligar justamente esses parâmetros fixos do sistema, fazendo com que a maior parte das mercadorias importadas nestas condições possam ser liberadas sem controle, condicionando apenas a entrega das mercadorias, pelo depositário, à existência da retificação necessária, que poderá abranger, segundo o Artigo 4º da Portaria Coana nº 70/2022, além da data da chegada da carga, eventuais alterações ou complementação dos dados da declaração, bem como o pagamento de eventual diferença de crédito tributário.
É importante relembrar que os Auditores-Fiscais já viveram situação semelhante em outros momentos. Em 1998, em meio a uma intensa mobilização da categoria, a administração da Receita Federal, com a finalidade de esvaziar a mobilização, promovia mudanças emblemáticas nos procedimentos de despacho aduaneiro, publicando, à época, a Instrução Normativa 106/1998, para permitir que os chefes das unidades pudessem autorizar a liberação de mercadorias sem qualquer controle aduaneiro, e a Instrução Normativa 111/1998, para eliminar a etapa de recepção dos documentos de instrução do despacho de importação anteriormente à seleção parametrizada.
A Receita Federal está novamente abrindo uma enorme porteira que poderá se transformar numa porta para o contrabando e outras infrações. Como o despacho antecipado passa a poder ser realizado sem qualquer conferência, não haverá nenhuma segurança de que após o registro das DI as cargas possam ser alteradas para enxerto, inclusive, de produtos proibidos, ou substituição de produtos, uma vez que a liberação já ocorreu antes mesmo de as mercadorias terem chegado ao território nacional.
As medidas de desligamento dos parâmetros fixos do sistema podem ser e talvez sejam desejáveis e plenamente justificadas na necessidade de desafogar o controle aduaneiro de muitas conferências que se revelam desnecessárias, mas nunca deveriam ser implementadas em período de exceção como este que estamos vivendo na Receita Federal. Os Auditores-Fiscais aduaneiros estão em operação-padrão. Não há normalidade no funcionamento da Receita Federal, logo, a implementação de quaisquer novidades deveria ser suspensa neste momento.
Ainda que possam ser consideradas medidas voltadas à modernização dos controles, a observância do interesse público exigiria que elas fossem implementadas de forma gradativa, monitorada e integrada com o aperfeiçoamento do próprio gerenciamento de risco, evitando-se prejuízos ao controle aduaneiro e riscos desnecessários à população.
O coordenador-geral da Coana e o secretário da Receita Federal precisam explicar qual foi o motivo para implementar essas mudanças no meio da atual mobilização dos Auditores-Fiscais, sob pena de se configurar como inconvenientes e inoportunas medidas de boicote ao legítimo movimento reivindicatório dos Auditores-Fiscais e de fragilização do controle aduaneiro, em prejuízo da sociedade.