Decisão de Toffoli compromete cooperação de Auditores com outras autoridades
O combate à corrupção e aos chamados “crimes de colarinho branco” está novamente sob ameaça. Dessa vez, a investida foi mais ampla: além da Receita Federal, outros órgãos de fiscalização e controle, como o Banco Central e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), estão sendo afetados. A controversa decisão proferida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffolli, suspendeu todos os processos judiciais do país em que houve compartilhamento de dados bancários e fiscais sem prévia autorização judicial.
A restrição às investigações foi uma resposta a um pedido da defesa do deputado Flávio Bolsonaro (PSL/RJ) e tem despertado preocupação de parcela significativa da sociedade, maculando as credenciais do Brasil para ingresso na OCDE, por ferir acordos internacionais pactuados no âmbito do Gafi (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo). Se a medida estivesse em vigor há mais tempo, investigações que deram origem a operações como a Lava Jato, a Zelotes e a Greenfield, por exemplo, não teriam acontecido ou não teriam alcançado os resultados que o país conhece.
No ano passado, apenas o Coaf, hoje comandado pelo Auditor-Fiscal Roberto Leonel, encaminhou às autoridades competentes mais de 7.300 Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) acerca de transações com indícios de ilicitude, o que levou ao bloqueio de cerca de R$ 36 milhões de origem suspeita. Desses, em torno de 400 RIF’s municiaram a força-tarefa da Lava Jato no Paraná e no Rio de Janeiro.
O condicionamento do compartilhamento de dados à autorização judicial, além de ferir prática internacionalmente consagrada, põe um gigantesco entrave burocrático ao trabalho conjunto entre a Receita Federal e outras instituições, tornando mais difícil e menos eficiente o combate a crimes financeiros. “A mudança desse procedimento, em decisão monocrática do ministro Dias Toffoli, prejudicará, sobremaneira, a investigação e a punição de delitos graves, como narcotráfico, organizações criminosas, financiamento do terrorismo e crimes transfronteiriços”, declarou a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), em nota.
O Sindifisco Nacional considera a decisão do ministro Dias Toffoli um enorme retrocesso institucional, indo de encontro a alguns dos mais caros anseios da sociedade brasileira. A empreitada para restringir o intercâmbio de informações entre Auditores-Fiscais e outras autoridades tornou-se um dos assuntos mais discutidos no Brasil ao longo deste ano e compõe uma cruzada que, além de colocar o país em rota de colisão com a comunidade internacional, vem despertando a repulsa da sociedade, da imprensa e do meio acadêmico.
As primeiras investidas partiram do ministro Gilmar Mendes, em fevereiro, logo após o vazamento de um dossiê de seleção acerca dele e de sua esposa, a advogada Guiomar Mendes, e da sigilosa Nota Copes 48, que listava uma série de pessoas politicamente expostas que haviam apresentado “inconsistências” em suas movimentações financeiras e declarações de renda. (Aliás, há poucos dias, Gilmar voltou à carga contra a Receita Federal, atacando de maneira direta e inconsequente o Auditor-Fiscal Marco Aurélio Canal, supervisor da equipe de programação que o selecionou e profissional respeitado e com uma longa lista de serviços à instituição).
Em maio, uma emenda “jabuti” foi incluída, inesperadamente, na Medida Provisória 870, com o intuito de engessar o trabalho dos Auditores-Fiscais em investigações criminais e limitar a comunicação de crimes a outros órgãos, como o Ministério Público e a Polícia Federal. Para impedir a “mordaça”, o Sindifisco Nacional encabeçou um movimento que teve forte apoio da imprensa, de uma ala expressiva do Congresso e de organizações sociais de combate à corrupção. Diante da reação popular e do impasse gerado na Câmara dos Deputados, os líderes partidários decidiram expurgar a anômala previsão do texto da MP.
Agora, a decisão do presidente do STF vai na mesma direção. O Sindifisco Nacional reafirma a postura que vem adotando ao longo de todos esses últimos meses: a de defesa irrestrita do trabalho dos Auditores-Fiscais e dos interesses da sociedade brasileira, que clama por uma atuação mais efetiva e mais integrada das autoridades estatais contra práticas que corroem o erário público, enxovalham a moralidade administrativa e comprometem o desenvolvimento do nosso país.