Seminário sobre “Contrabando e Descaminho”: veja cobertura

Confira, abaixo, a cobertura completa dos paineis do Seminário “Contrabando e Descaminho – Desafios, Estratégias e Ações”, promovido pelo Sindifisco Nacional no dia 6 de junho, em Brasília:

 

Órgãos debatem importância de integrar ações nas fronteiras

A integração entre os órgãos que atuam na proteção das fronteiras deu a tônica dos discursos das autoridades que participaram da mesa de abertura do Seminário Contrabando e Descaminho, nesta quinta-feira (6). O debate promovido pelo Sindifisco Nacional, em parceria com a Associação Nacional dos Procuradores da República, acontece na ESMPU (Escola Superior do Ministério Público da União), em Brasília.

O subsecretário de Administração Aduaneira da Receita Federal, Auditor-Fiscal Marcos Vinícius Vidal Pontes, representou o secretário do órgão, Marcos Cintra, na abertura do evento. Pontes destacou a importância da discussão que envolve o papel da Aduana no Brasil. De acordo com ele, seguindo uma tendência mundial, a arrecadação aduaneira no país vem perdendo importância em termos percentuais. Em contrapartida, a Aduana ganhou outras atribuições.

“Hoje o papel da Aduana é multifacetado. Se por um lado a arrecadação perdeu força, ganhou importância a proteção da sociedade na medida em que ocorre o combate ao contrabando, ao descaminho, à contrafação, e a fiscalização de remédios, alimentos e próteses, bem como a proteção da fauna e da flora. Há também uma atuação conjunta com outros órgãos de fiscalização, combatendo a lavagem de dinheiro, o tráfico de drogas e de armas, além da cooperação internacional”, avaliou.

O subsecretário também destacou o desafio de a Receita realizar tantas funções diante de um número pequeno de servidores. Para fazer um comparativo, Pontes citou que na Aduana da Rússia atuam 45 mil pessoas, enquanto que na Receita Federal existem aproximadamente 3.300 servidores no setor.

A subprocuradora da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, que coordena a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal, falou da parceria entre o MP (Ministério Público) e a Receita Federal. “Contrabando e Descaminho representam um número enorme de processos que recebemos da Receita. Quando fui convidada para o seminário pensei: que ótima oportunidade de debater esse tema”, afirmou.

Frischeisen frisou que existe o pequeno contrabando e descaminho com valores de até R$ 20 mil que acabam sendo arquivados. Por outro lado, existe o grande contrabando e descaminho na rota das grandes organizações criminosas. “Essa parceria Receita e MP é fundamental para se descobrir quem financia o grande contrabando, quem faz a receptação e quem se beneficia”, explicou.

Combate à pirataria – Guilherme Vargas da Costa, secretário-executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e a Delitos contra a Propriedade Intelectual, falou sobre o papel do órgão, formado por representantes do poder público e da sociedade civil, na integração das forças que atuam no combate à pirataria de forma mais efetiva.

“Esse seminário é muito oportuno. Contrabando e descaminho sempre estão ligados ao crime organizado, a assassinatos, à corrupção de agente públicos, ao tráfico, entre outros crimes”, justificou.

O brigadeiro de Ar Ary Soares Mesquita, secretário de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional e responsável pelo Programa de Integração das Fronteiras, representou o ministro-chefe de Segurança Institucional da Presidência da República, general Heleno Pereira, na mesa de abertura.

O secretário reforçou a importância de um trabalho integrado e não apenas “operações conjuntas”. O brigadeiro destacou que, apesar de as Forças Armadas terem capilaridade para estar presente em todo o país, a extensão das fronteiras no Brasil exige uma integração mais efetiva das ações de proteção.

“Temos visitado várias unidades da Receita e de outros órgãos de fiscalização e ouvido depoimentos de dificuldades em relação ao quantitativo de servidores, orçamento e equipamentos. Nosso foco é trabalhar a dificuldade de integração”, afirmou.

Ao ressaltar a importância de discutir os mecanismos de combate ao contrabando e ao descaminho, o presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, lembrou sua experiência na Aduana quando ingressou na Receita em 1997. “ De lá para cá, os desafios se avolumaram. O objetivo desse seminário é também dar visibilidade à Aduana dentro da própria Receita, já que muitos Auditores não conhecem a importância dessa atuação. Além de dar visibilidade a outros órgãos e caminhar no sentido da integração. O risco que o Brasil corre de trabalhar fracionado é enorme”.

Kleber enfatizou ainda que a presença de representantes da Receita, Polícia Federal e MP no seminário seria uma demonstração de que a integração é possível e importante para se ter êxito nas operações. “Espero que saiamos daqui com mais conhecimento e mais sensibilidade sobre a importante atuação da Aduana”, finalizou.

 

Integração, inteligência e gestão de risco para combater crimes 

O primeiro painel do Seminário “Contrabando e Descaminho: Desafios, Estratégias e Ações” abordou o tema “Desafios Gerais e Atuações Estratégias”, com participação da subprocuradora geral da República e coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão Criminal, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, e do Auditor-Fiscal Arthur Cezar Rocha Cazella, titular da Corep (Coordenação-Geral de Combate ao Contrabando e Descaminho) da Receita Federal. O Auditor-Fiscal Antônio Moreira da Silva Júnior mediou o debate. 

Luiza Frischeisen abriu os debates mostrando que rotas do grande contrabando e descaminho se confundem com rotas de tráfico de drogas, armas e munições, contrabando de agrotóxicos e outros ilícitos. Por isso, de acordo com a subprocuradora, é fundamental aprimorar as investigações. “Não adianta atuar apenas na ponta, é preciso ver quem está distribuindo esse produto, ou seja, focar não somente na fronteira, mas na rede de distribuição. A apreensão é só o início”, ressaltou.

Nesse contexto, ela defendeu que o MPF deve atuar cada vez mais em parceria com a Polícia Federal, especialmente nos estados que funcionam como “corredor” de contrabando e descaminho, como São Paulo, Minas Gerais e Tocantins, assim como nos estados distribuidores, como o Ceará. Para Luiza Frischeisen, é preciso seguir a lógica de que só existem contrabando e descaminho porque existe um mercado, que recepta e distribuiu esses produtos.

Com relação às áreas de fronteira, diante do crescimento da violência e da expansão das organizações criminosas, com deslocamento para essas áreas, a subprocuradora destacou que o Brasil tem sido signatário de protocolos internacionais para trocas de informações espontâneas relativas ao contrabando, descaminho e tráfico, para garantir ações coordenadas mais eficientes.

Acordos internacionais – Para enfrentar o contrabando de cigarros, o trafíco de drogas e de armas, por exemplo, Luiza Frischeisen detalhou que o Brasil assinou recentemente um acordo com o Paraguai para desenvolver e implementar estratégias de prevenção ao avanço de atividades ilícitas de organizações criminosas, com ênfase nas comunicações diretas e espontâneas entre os países. O MPF faz intermediação do intercâmbio de dados com o Ministério Público do Paraguai e com os Ministérios Públicos Estaduais do Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná.

A subprocuradora ressaltou que os membros do MPF são orientados a estabelecer contato com as autoridades de fronteira dos países vizinhos para criar uma relação de confiança e viabilizar maior conhecimento sobre o sistema jurídico dos outros países, com troca de informações sobre confirmação de dados pessoais, identificação de bens no exterior, entre outras. Esse intercâmbio, no entanto, ainda é incipiente, se comparado aos mecanismos que a União Europeia dispõe, por exemplo.

Além da cooperação direta entre países fronteiriços, especialmente Paraguai e Uruguai, outro desafio, segundo a subprocuradora, é atuar de forma integrada e, para isso, o MPF busca diálogos interinstitucionais com Polícia Federal, Receita Federal, Coaf e outros organismos.

Diante de tantos desafios, Luiza Frischeisen acredita que tecnologia e integração são os maiores aliados no combate ao contrabando e descaminho. “Cada vez mais a tecnologia irá nos auxiliar, mas também precisamos conhecer uns aos outros e realizar ações conjuntas, seja na investigação, na apreensão ou na repressão. E, nesse sentido, seminários como esse são fundamentais para trilharmos esse caminho”, concluiu.

Combate ao contrabando – O Auditor-Fiscal Arthur Cezar Rocha Cazella, coordenador geral da Corep, explicou que a Aduana brasileira tem quatro pilares fundamentais: regulamentação econômica, segurança, proteção da sociedade e relações internacionais. Criada em 2017, a Corep tem como missão combater o contrabando, o descaminho, o tráfico internacional de drogas, armas e munições e as ações de terrorismo, em fronteiras, portos e aeroportos.

“Num país com 17 mil quilômetros de fronteira seca, 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 7 mil quilômetros de fronteira marítima, a Receita Federal está convencida de que a única forma de combater o contrabando e descaminho é com integração, inteligência e gestão de risco”, resumiu, acrescentando que a integração é o conceito mais importante, e inclui convênios com Marinha, Aeronáutica, Polícia Rodoviária Federal e também outros países.

A Corep também tem investido em novos sistemas de vigilância, além dos tradicionalmente utilizados. O resultado são recordes de apreensão a cada ano. “E mesmo assim sabemos que nossas estatísticas de apreensão de droga, por exemplo, estão provavelmente abaixo da realidade”, ressaltou. As rotas nas fronteiras são frequentemente alteradas por contrabandistas e traficantes para escapar da fiscalização.

Dividida em dez regiões fiscais, a Corep possui dez lanchas, dois helicópteros, e cerca de 25 equipes caninas, trabalho que tem sido elogiado pela alta performance, mas que ainda depende de ampliação. “Na Argentina, por exemplo, são 300 equipes”, comparou.

Cazella também destacou a formação das equipes de contra resposta, para atuar em locais de maior risco e volume de apreensão, em ações que precisam de rápido acionamento. “Se não intensificarmos as ações em portos, aeroportos e fronteiras, não vamos chegar a lugar nenhum, porque somos poucos e temos poucos meios. Mas se trabalharmos de forma integrada, vamos conseguir reduzir e muito o volume de ações ilegais em nosso país”.

 

Debatedores falam sobre desafios de atuação nas fronteiras do país   

Ações Integradas em Regiões de Fronteira foi o tema do segundo painel do Seminário Contrabando e Descaminho promovido pelo Sindifisco Nacional, em parceria com a Associação Nacional dos Procuradores da República , neta quinta-feira (6). O subsecretário de Administração Aduaneira da Receita Federal, Auditor-Fiscal Marcos Vinícius Vidal Pontes, mediou o debate, que acontece na ESMPU (Escola Superior do Ministério Público), em Brasília.

O brigadeiro de Ar Ary Soares Mesquita apresentou ao público o PPIF (Programa de Proteção Integrada das Fronteiras), coordenado por ele. O programa reúne oito órgãos: GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República), Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Receita Federal, Polícia Federal, Secretaria Nacional de Segurança Nacional, Polícia Rodoviária Federal e Secretaria Geral do Ministério das Relações Exteriores.

A proposta do PPIF é promover a atuação integrada e coordenada de órgãos de segurança pública, inteligência, Receita Federal, Fazenda e Forças Armadas nas regiões de fronteira. De acordo com o brigadeiro, o programa tem se tornado mais eficiente ao longo do tempo e com o apoio político do atual governo.

O brigadeiro destacou que a extensão das fronteiras é um dos principais desafios a serem vencidos. Mesquita lembrou que o Brasil tem quase 17 mil quilômetros de fronteira terrestre que reúne 11 estados onde moram 6% da população. Além disso, são aproximadamente 8 mil quilômetros de fronteira marítima, onde se concentram 17 estados e 80% dos brasileiros.

Para Ary Soares Mesquita, pensar em operações nas fronteiras é apenas uma parte do trabalho já que elas têm efeito limitado. “No primeiro dia, é um sucesso de apreensões. No segundo, ao ver uma aeronave decolar, os criminosos tiram férias e se escondem até a operação terminar. Depois retornam à atividade”, justificou.

Diagnóstico – Segundo o brigadeiro, um diagnóstico sobre as operações nas fronteiras demonstrou que elas envolvem, em sua maioria, uma média três ministérios, mas são realizadas em períodos e localidades diferentes, demonstrando não haver um planejamento conjunto. A ideia é que o PPIF possa racionalizar essas ações.

“O diagnóstico estratégico identificou a deficiência na coordenação do trabalho. Até no uso de equipamentos. Cada polícia compra um tipo de rádio e ninguém consegue se falar até que alguém pegue um celular e comprometa todo o sigilo”, argumentou o brigadeiro de Ar.

Ele defendeu que, a exemplo do que acontece com membros das Forças Armadas, o Estado construa moradias para servidores de órgãos como Receita Federal e Polícia Federal, a fim de minimizar a exposição dos agentes públicos que atuam nas fronteiras.

O PPIF tem 42 planos de ação e 25 indicadores que norteiam o trabalho de integração de informações e articulação. “O PPIF nunca vai mandar na Receita Federal ou na Polícia Federal. Nunca será o coordenador das operações. Será o integrador, vai ocupar as lacunas”, explicou.

Para isso, ele defende que seja criada uma relação interpessoal, por meio de capacitações conjuntas entre representados dos diversos órgãos. “Só assim se constrói a confiança necessária para o trabalho”.

O coordenador do PPIF encerrou sua participação antecipando que o governo está trabalhando em uma política específica para o trabalho na fronteira que deve ser implementada ainda este ano.

O segundo palestrante foi o major da PM (Polícia Militar) do Paraná André Cristiano Dorecki, que é o coordenador-geral de Fronteiras da Divisão de Operações da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça.

Dorecki apresentou as ações em andamento no combate ao tráfico de drogas e armas, contrabando, tráfico de pessoas, em especial nas fronteiras com o Paraguai e a Bolívia. Como forma de superar as deficiências de pessoal e equipamentos, diante da extensão das fronteiras, ele também defendeu a integração entre os órgãos para formar equipes de atuação específica em operações “cirúrgicas”, a partir de dados coletados pelos setores de inteligência.

Nesse sentido, ele afirmou que o Ministério da Justiça vem trabalhando no projeto VIGIA, que se baseia em vigilância, integração, governança, interresponsabilidade e autonomia. Um projeto piloto está em andamento na região de Guaíra (PR) com atuação da PF, PM, PRF e Receita Federal. “Em um mês, foram apreendidos R$ 5 milhões em cigarros”, informou.

O segundo projeto é o Centro Integrado de Operações e Inteligência, uma parceria entre o Ministério da Justiça e o do Trabalho. A ideia é que o centro seja inaugurado ainda este ano em Foz do Iguaçu (PR), fazendo a integração entre vários órgãos que atuam nas fronteiras e países vizinhos.

 

Palestrantes abordam ações contra a lavagem de dinheiro

O terceiro painel do Seminário “Contrabando e Descaminho: Desafios, Estratégias e Ações” reuniu o Auditor-Fiscal Gerson D’Agord Schaan e o procurador da República Marcelo Ribeiro de Oliveira para debater o tema “Lavagem de Dinheiro”, com mediação do Auditor-Fiscal Carlos Antônio Venturini Júnior, supervisor da Lava Jato no âmbito da Receita Federal.

Gerson Schaan abriu sua exposição mostrando que a discussão acerca do papel dos órgãos administrativos no combate à lavagem de dinheiro é recente, ganhando força a partir de meados dos anos 2000, quando surgiram diretrizes internacionais para estratégias integradas do Estado frente a esse tipo de crime. Em 2013, foi publicado o “Manual de Sensibilização dos Inspetores Tributários para o Fenômeno da Corrupção”, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Este foi um movimento importante, porque não somente no Brasil, mas em diversos países, o crime tributário é visto como um crime de dano menor”, explicou.

Segundo o Auditor-Fiscal, no caso de contrabando e descaminho, a lavagem de dinheiro utiliza estruturas, operadores e doleiros que também operam para outros crimes. “No Brasil, por sua característica tributária e aduaneira, a Receita Federal tem condições de observar como funcionam esses crimes. Temos informação, expertise de investigação financeira e prerrogativa de ir até a contabilidade das empresas. Tudo isso nos dá uma posição privilegiada e alinhada ao contexto internacional”, afirmou.

Gerson Schaan aproveitou a palestra para fazer uma contextualização do papel da Receita Federal diante da recente ameaça do Congresso Nacional de amordaçar os Auditores-Fiscais, por meio de uma emenda que limitava a atuação da Receita na investigação de crimes conexos à sonegação fiscal. “Essa emenda jabuti vai contra tudo que o mundo inteiro está fazendo”, criticou ele, que também atua como conselheiro no Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Para o Auditor-Fiscal, a Receita tem papel importante junto aos bancos e instituições financeiras, no sentido de implementar mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro.

Potencial do contrabando – Integrante do Grupo de Trabalho da Lava Jato, o procurador da República Marcelo Ribeiro de Oliveira falou sobre o potencial do contrabando de gerar dinheiro em espécie, com as vendas no varejo, e demonstrou o quanto essa dispersão de recursos facilita outras ações criminosas. “Existe uma pena baixa associada ao contrabando, mas sabemos que ele muitas vezes está relacionado ao tráfico de armas e de drogas, à exploração de jogo, à organização criminosa e à lavagem de capitais”, enumerou.

Marcelo Oliveira trouxe dados sobre o contrabando e descaminho de cigarro referentes ao ano de 2017: cerca de R$ 6 bilhões deixam de ser recolhidos em tributos. Ele também elencou os diversos tipos de lavagem de capitais comumente associadas ao contrabando, como empréstimo e aluguel de contas, interposição de pessoas, importação fictícia e “smurfing”. O procurador ressaltou a importância das interações entre MPF e Receita Federal, citando experiências de sucesso e projetando potencialidades.

Um dos exemplos de operação bem-sucedida destacada pelo palestrante foi a apreensão de máquinas eletrônicas programáveis que desvendou o esquema de corrupção de Carlinhos Cachoeira, em Goiás, em 2012. O procurador encerrou sua participação no seminário expressando solidariedade aos Auditores-Fiscais diante dos ataques contra a autonomia funcional da classe. “É uma completa impossibilidade se pensar em diminuir o poder e o dever da Receita Federal”.

 

Livre atuação da Receita e saúde pública fecham seminário aduaneiro

O seminário “Contrabando e descaminho – Desafios, estratégias e ações”, promovido pelo Sindifisco Nacional, em parceria com o Ministério Público Federal e com a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), nesta quinta-feira (6/6), foi encerrado com a realização dos painéis “Fiscalização em geral – Representações de crimes identificados pelos Auditores-Fiscais” e “Contrabando e saúde pública”. Ao longo do dia, também foram discutidos temas relacionados aos às atuações estratégicas, ações integradas nas regiões de fronteira e lavagem de dinheiro.

O penúltimo painel, composto pelo subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Auditor-Fiscal Iágaro Jung Martins, e pelo procurador da República, Henrique de Sá Valadão Lopes, tratou da livre atuação dos Auditores, no atual contexto de tentativa, por parte do Congresso Nacional, de impor uma “mordaça” ao trabalho da Receita Federal, visando limitar as investigações e a comunicação de crimes entre o Fisco e as demais autoridades, como o MPF (Ministério Público Federal). O Auditor-Fiscal Alan Towersey mediou o debate. 

O subsecretário Iágaro Martins iniciou sua explanação explicando as diferenças entre as estratégias de atuação da Receita, no âmbito da fiscalização, que levam em consideração o porte das empresas-alvo – pequenas, médias ou grandes. Afirmou que o principal objetivo é o de combater possíveis fraudes tributárias e que a Receita Federal já tem condições de identificar previamente essas fraudes, com foco no topo da pirâmide dos contribuintes, onde se encontram as “maiores” sonegadores.

Para tanto, as equipes de fiscalização se valem de dados internos, externos, redes sociais, ferramentas de busca na internet e dados complementares, como os que integram o Sistema Público de Escrituração Digital. O subsecretário explicou que, a partir desse trabalho de inteligência, a Receita faz uma “engenharia reversa” para identificar os delitos e afirmou que, em cerca de 30% das investigações, os Auditores identificam outros crimes, que não dizem respeito à questão tributária.

Nesse contexto, Iágaro citou que a comunicação de crimes, pela Receita Federal, está prevista em diversas leis e foi disciplinada pela Portaria RFB 1.750/18. A norma prevê a apresentação de representações fiscal para fins penais (tributária), representações para fins penais, representações por improbidade administrativa e representações simplificadas. Desde o ano passado, a Receita passou a divulgar, em seu site, todas as representações encaminhadas ao Ministério Público Federal.

O subsecretário criticou a tentativa de “mordaça” aos Auditores-Fiscais, incluída como “emenda jabuti” à MP (Medida Provisória) 870/19, e contestou a ideia de se condicionar as representações à autorização judicial. “Como é que um membro do Ministério Público vai pedir em juízo o compartilhamento de uma informação que ele nem sabe que existe?”, indagou. Como exemplo de operações bem-sucedidas, realizadas com integração entre a Receita Federal e o MPF, o Auditor apontou a Operação Lava Jato e a recente Operação Alcatraz, deflagradas pela Polícia Federal, que nasceram de investigações internas da Receita.

Clareza das representações – Ao tomar a palavra, o procurador da República Henrique de Sá chamou a atenção dos presentes para uma particularidade das representações encaminhadas ao Ministério Público. Observou que poucos procuradores e mesmo juízes – a quem cabe a condução dos processos judiciais – têm conhecimento específico nas áreas tributária e de contabilidade.

Diante disso, o painelista afirmou que os Auditores-Fiscais devem preparar as representações da forma mais explicativa e detalhada possível, de forma a otimizar sua interpretação na esfera judicial. “Para evitar problemas, a representação tem que tratar o destinatário da representação fiscal como se fosse um leigo”, sugeriu.

“A minha mensagem é no sentido de sempre pensar no conhecimento de fundo, que tem ali naquele indicio, que vai fazer a ligação de determinado fato, que é conhecido, com aquilo que você quer ver provado”, finalizou o painelista, após fazer uma breve explanação sobre a chamada “Teoria da Prova” e detalhar o fluxo, no Judiciário, das ações conjuntas da Receita com o Ministério Público.

 

Contrabando e saúde – No último painel do seminário, mediado pelo Auditor-Fiscal Carlos Eduardo Dulac, o procurador da República Marco Antônio Delfino e o Auditor-Fiscal Leonardo Andres Iglesias, discutiram o tema “contrabando e saúde”, com foco nos dois grupos de produtos de maior relevância em termos de impacto social e saúde: os agrotóxicos e os cigarros.

O representante do Ministério Público citou normas e estudos que tratam dos agrotóxicos no Brasil e no mundo, criticou a vigilância da água distribuída para consumo no país – considerada por ele “completamente deficiente” – e disse que a cada quatro litros de agrotóxicos comercializados, um é fruto de contrabandeado ou pirataria. Marco Antônio Delfino usou um estudo internacional para demonstrar que o “sucesso” desse tipo de comércio clandestino é inversamente proporcional a uma regulação “pujante”, por parte do Estado, e à incidência de uma forte estrutura de fiscalização.

O Auditor-Fiscal Leonardo Iglesias, por sua vez, falou sobre a necessidade de se combater o contrabando de cigarros, ao observar que o tabaco é responsável por mais de 50 doenças, o que representa um “malefício enorme para saúde pública” – com custo direto para o SUS é estimado em cerca de R$ 40 bilhões anuais. O Auditor explicou que, além da falta de controle pela vigilância sanitária, os cigarros ilícitos contribuem com a diminuição do preço médio do produto (mesmo que informalmente) e, com isso, favorece o aumento da demanda.

Nesse aspecto, Leonardo Iglesias criticou a proposta, em estudo pelo governo no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de combater o consumo via revisão da política de preço mínimo e de redução dos tributos incidentes sobre os cigarros legalizados. Observou que esta alternativa vai na contramão da Convenção Quadro da OMS para o Controle de Tabaco e de um protocolo para eliminar o comércio ilícito de tabaco, da Organização Mundial de Saúde, dos quais o Brasil é signatário.

O Auditor também contestou o argumento de que o preço do cigarro é alto no Brasil, com base em comparativos internacionais, e demonstrou que, na experiência de outros países, a queda no valor do maço “não afetou o mercado ilícito”. Da mesma forma, países com grande tributação não são, necessariamente, os que têm grande contrabando. Uma das soluções para o problema, apontada pelo palestrante, seria a de tratar o mal pela raiz. Como segundo maior produtor de fumo do mundo – atrás apenas da China –, com produção que chega a 900 mil toneladas por ano, o Brasil é um dos grandes fornecedores da matéria prima ao Paraguai, que acaba “devolvendo” ao país o produto acabado – pela via ilícita e muito mais barata.

Dessa forma, o Auditor defende maior controle e fiscalização sobre todas as etapas de produção, o que envolve não apenas o trabalho da Receita Federal, mas também a formulação de novas políticas públicas.

No encerramento do seminário, o diretor-secretário do Sindifisco Nacional, Paulo Roberto Ferreira, agradeceu a todos os participantes pela presença e pelo “sucesso” do evento. “Que nós tenhamos a oportunidade de fazer mais eventos como esse e possamos continuar a estreitar os laços dessa salutar interação institucional”, concluiu.

 

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