Painelistas debatem carga tributária nos últimos 15 anos

Tendo como tema “Transparência e controle do gasto público”, o primeiro painel do horário da tarde de quinta-feira (26/11) do Colóquio Internacional “Tributação, Desenvolvimento, Infraestrutura e Sustentabilidade – Cenários para o Brasil da Próxima Década”, promovido pela FGV (Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, contou com a participação de advogados, representantes patronais, acadêmicos e servidores da RFB (Receita Federal do Brasil), permitindo que fosse feita uma avaliação heterogênea de como se deu a evolução da arrecadação nos últimos anos e quais as perspectivas para o futuro.

O primeiro a falar foi o mediador do painel, Carlos Pelá, que é coordenador da Comissão de Estudos Tributários da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Após criticar o que ele chamou de falta de segurança jurídica no país, em que situações iguais são tratadas de formas diferentes em épocas diferentes, ele disse que a Febraban apóia a transparência das contas públicas e lamentou o fim da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).

“Embora os recursos nem sempre fossem para onde deveriam ir, a CPMF era uma arma muito boa de fiscalização que o Fisco perdeu”, admitiu.
Plano Real – A segunda painelista foi a escritora, jornalista e assessora da FGV Maria Clara do Prado. Após fazer um levantamento de como se deu o endividamento do país desde a década de 60 até os tempos atuais, ela lembrou que Governo era o principal beneficiário da indexação da economia. “Com o fim do processo inflacionário, optou, então, pelo aumento da carga tributária” concluiu.
O painelista seguinte foi o professor de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Humberto Ávila. Ele começou sua apresentação fazendo uma provocação. “Todo mundo fica defendendo a Reforma Tributária, como se ela fosse a solução dos problemas brasileiros, mas quem disse que toda mudança é boa. Ela também pode ser ruim”, advertiu.
Também criticou o afã que existe para se mudar a Constituição Federal. “A mudança na Constituição Federal não é condição nem necessária, nem suficiente, para melhorar o sistema tributário. Desde que me formei, em 1991, escuto falar em reforma, mas ela nunca ocorre. Enquanto isso, as normas infralegais vão sendo mudadas anualmente, e a maioria dessas propostas é feita pela RFB (Receita Federal do Brasil). Não que isso seja ruim, significa que o órgão tem técnicos competentes, mas a sociedade deve se capacitar para propor esse tipo de norma”, defendeu.
Para o professor, o mais importante é assegurar o equilíbrio entre mudança e permanência. Para ele, a melhoria do sistema tributário requer o esforço de torná-lo mais simples e menos oneroso para o contribuinte.
Arrecadação – A defesa da RFB foi feita pelo subsecretário de Fiscalização do órgão, Auditor-Fiscal Marcos Vinicius Neder de Lima, que falou sobre “Tributação e Accountability: planejamento, transparência e segurança jurídica”. “É preciso dizer que o aumento da arrecadação eliminou o déficit público, o qual, como foi dito na fala de Maria Clara Prado, era um alimentador da inflação. Temos o lado negativo, já que uma carga tributária alta inibe investimentos, mas quem vai gerir a política econômica tem de fazer escolhas”, afirmou.
Neder explicou que, num prazo de quinze anos, a arrecadação administrada pela Receita Federal subiu de R$ 150 bilhões para R$ 500 bi ao ano. Para o subsecretário, esse aumento da arrecadação se deu por três fatores: uso intensivo de tecnologia, migração da tributação direta para a indireta e pelo lançamento por homologação.
Um dos fatores que levou a Receita a dominar tão bem os recursos tecnológicos, segundo Neder, foi o alto nível de Auditores-Fiscais selecionados pelos concursos públicos. “No meu concurso, por exemplo, dos 30 selecionados, 28 eram engenheiros, um matemático e um advogado. Isso ajudou a dar um perfil mais tecnológico ao órgão. Apesar de a maioria, após entrar na Receita, também ter cursado uma faculdade de Direito”, pontuou.
O uso da tecnologia permitiu à Receita adotar a nota fiscal eletrônica, ter um grande banco de dados, selecionar melhor os contribuintes a ser fiscalizados e trabalhar com auditoria eletrônica. Em breve, o órgão vai começar a usar o "e-processo", em que as intimações aos contribuintes serão feitas eletronicamente.
O segundo aspecto, ressaltou Neder, foi introduzido por sugestão do FMI (Fundo Monetário Internacional). “No início da década de 90, assisti a uma palestra do professor Richard Bird, que está aqui, em que ele defendia o uso da tributação indireta pelos países em desenvolvimento. Foi o que fizemos aqui”, lembrou. Neder disse que esse é um tipo de imposto regressivo, pois trata de forma igual os desiguais, mas que essa foi uma posição de Governo.
Por meio do lançamento por homologação, os Auditores-Fiscais foram liberados para fazer auditorias mais sofisticadas. “O lançamento por homologação é uma linha de produção que o Fisco, por amostragem, olha se está sendo seguida. E hoje, por meio da informática, é muito fácil saber quando algo sai fora dos trilhos”, exemplificou. No Brasil, 95% da arrecadação tributária ocorre de forma espontânea. “Isso se dá porque a sensação de risco da sociedade é grande, pois o Fisco se transformou num excelente Big Brother do contribuinte”, alertou.
Planejamento Tributário – Citando a cartilha do FMI que aprendeu no início da década de 90, Neder elencou três fatores que levam o contribuinte a pagar sem reclamar: sentimento de que o dinheiro público está sendo gasto corretamente; sensação de que o tributo é justo, que todos os contribuintes estão sendo tratados da mesma forma, e a certeza de que um eventual deslize será punido. “Com exceção do primeiro item, acho que o Brasil atende aos outros dois requisitos”, afirmou o subsecretário.
O defeito do modelo do FMI é que ele é muito regressivo. Do preço de uma passagem de ônibus, por exemplo, 55% do valor corresponde a impostos. “Porém, como aumentar a arrecadação, sem aumentar alíquotas?”, questionou Neder. Para ele, é preciso acabar com as brechas tributárias que permitem à metade das 500 maiores empresas brasileiras não pagarem imposto de renda.
“Um dos princípios que sustenta a sociedade brasileira é o da legalidade cerrada. Se a pessoa atende às normas, o ato não pode ser questionado. Isso leva, no caso fiscal, ao planejamento tributário. Ou seja, a norma que foi criada para proteger a sociedade, quando levada às últimas consequências, pode criar desigualdade. É preciso remodelar o sistema para os que ganham melhor sejam atingidos pela tributação”, defendeu.
MPF – Questionado pelo presidente da DS (Delegacia Sindical) Espírito Santo, Adriano Correa, por que a proposta de abolição do MPF (Mandado de Procedimento Fiscal) estava parada na RFB, Neder respondeu que a proposta, apresentada pela gestão anterior da RFB, estava sendo discutida na Casa Civil, e explicou que ela não era de abolição do MPF, mas de substituição por outro instrumento.
Disse, ainda, que não se opunha à mudança, mas entendia que a fiscalização tributária deveria atender a três princípios: capacitação do Auditor-Fiscal, utilização de tecnologia e controle. “O supervisor tem de acompanhar o que o fiscal está fazendo. Isso é transparência. Princípio, aliás, que deve nortear o serviço público”, argumentou.
Desoneração – O último palestrante do painel foi o presidente da CNC (Confederação Nacional do Comércio), Luigi Nesi. Ele adiantou parte de uma proposta que a entidade deve apresentar até o final deste ano no Congresso Nacional para desoneração da folha de pagamento. Segundo a proposta, os tributos incidentes sobre a folha seriam substituídos por uma contribuição sobre movimentação financeira. No caso dos salários, os patrões pagariam aos empregados o equivalente ao que fosse descontado referente ao tributo.
“Se essa proposta for efetivada, os antigos fiscais da previdência deveriam ser realocados na fiscalização sobre bancos. Em dez bancos seria possível arrecadar o que hoje se recolhe de todas as empresas para fins de contribuição previdenciária”, previu.
A proposta provocou reações na plateia. Alguns Auditores-Fiscais presentes afirmaram temer que os recursos da Previdência fossem desvinculados. Luigi Nesi lembrou que a proposta ainda estava em discussão e que a confederação se achava aberta ao debate.

 

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