Bônus: Auditores do TCU propõem descumprimento da lei em relatório

O relatório da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) do Tribunal de Contas da União, decorrente de inspeção designada no mês passado pelo ministro Bruno Dantas, surpreendeu a Receita Federal. No texto, os auditores do TCU explicitamente propõem ao Poder Executivo que descumpra ato legal vigente em nosso ordenamento jurídico. A inspeção teve como ponto de partida um suposto pagamento indevido do denominado bônus de eficiência e produtividade, gratificação atribuída pela Lei 13.464/17 a Auditores-Fiscais e a Analistas-Tributários da Receita Federal.

Em razão de informações preliminares prestadas pela própria Semag, o ministro Bruno Dantas por pouco não decidiu, no último mês, editar medida cautelar suspendendo essa parcela remuneratória, haja vista, de acordo com a secretaria, um suposto ato administrativo que estaria autorizando o pagamento da gratificação sem respaldo legal. Após explicações prestadas pela Receita Federal e pelo Ministério da Economia, demonstrando-se sensível ao pleito do Sindifisco Nacional para que fosse franqueado um prazo para a regulamentação prevista na Lei 13.464/17, o ministro Bruno Dantas converteu a cautelar em inspeção, a ser realizada no prazo de 30 dias.

Esperava-se que a atuação da Semag do TCU demonstrasse cabalmente que não há ato administrativo algum determinando o pagamento do bônus. A gratificação está sendo paga em valor fixo, a título de antecipação, desde a edição da MP 765, uma vez que até hoje o Executivo não promoveu a regulamentação prevista em Lei. De fato, o denominado bônus de eficiência e produtividade está sendo pago, há mais de 2 anos, sem nenhuma aferição de eficiência ou produtividade.

Imaginava-se, portanto, que a referida secretaria, preocupada com a mora do Executivo e com os efeitos jurídicos dela decorrentes, proporia ao ministro a adoção de medidas urgentes para instar o Executivo a efetuar a regulamentação, obviamente observando-se as necessárias previsões orçamentárias. Entretanto, o que vimos foi um empenho desmesurado dos auditores do TCU em deslegitimar o bônus de eficiência, já que o parecer foge completamente do raio de ação do tribunal.

O TCU, sabidamente, não pode fazer o chamado controle de constitucionalidade da Lei. Ao Tribunal compete auxiliar o Congresso Nacional no exercício do controle externo, e não julgar se o legislador errou ou acertou ao aprovar determinada Lei, se o conteúdo está ou não condizente com o texto constitucional. Mas foi precisamente isso que a Semag do TCU fez.

No relatório, a palavra “inconstitucional” e “constitucional” aparecem 58 vezes; “constitucionalidade” e “inconstitucionalidade” aparecem 11 vezes. A palavra “Constituição” mais 52 vezes. Isso demonstra o quanto os auditores do TCU se esmeraram para atacar a constitucionalidade da gratificação criada pela Lei 13.464/17, função que, de acordo com reiteradas decisões do STF, não lhes diz respeito.

O ápice do relatório é, sem dúvida, o momento em que propõe ao Executivo, categoricamente, que não cumpra a Lei. Ora, a Lei 13.464/17 estabelece obrigação ao Executivo de criar o Comitê Gestor do Programa de Produtividade da Receita Federal. Ainda, define prazo para isso. Nos termos do § 3º do artigo 6º, ato do Comitê Gestor, que deveria ter sido editado até 1º de março de 2017, estabelecerá a forma de gestão do Programa e a metodologia para a mensuração da produtividade global da Secretaria da Receita Federal do Brasil e fixará o índice de eficiência institucional. Até o mês de produção dos efeitos do ato referido no § 3º do artigo 6º (ato do Comitê Gestor), o valor de R$ 3 mil será pago, mensalmente, a título de antecipação de cumprimento de metas.

Mesmo com todas essas previsões explícitas na Lei, o relatório propõe que o Executivo não promova a regulamentação e não implemente a remuneração do bônus variável.

As dúvidas relativas à indeterminação de base de cálculo foram devidamente respondidas durante a inspeção. No Parecer 00926/2017/Conjur-MTB/CGU/AGU, de 22/12/2017, menciona-se que: “Para efetivamente dar fiel cumprimento ao disposto na Lei n° 13.464/2017, basta a definição da base de cálculo por meio do decreto, haja vista que a Lei Orçamentária conterá a fixação da despesa para o pagamento do bônus, cumprindo-se as disposições orçamentárias estabelecidas na Constituição Federal e na Lei n° 4.320/64”.

Contra isso, a Semag do TCU levantou exigências no âmbito da LOA e da LDO, como se já existisse um Decreto trazendo impacto para 2019 ou se, em um exercício de futurologia, já soubessem o que estará aprovado pelo Congresso Nacional em relação a 2020. Tais críticas à falta de definição da base de cálculo revestem-se, mais uma vez, de ataque da Semag ao próprio Congresso Nacional, que entendeu por bem aprovar o texto legal exatamente da forma que está.

Vale salientar que, mesmo se houvesse base de cálculo aprovada por lei superveniente, ainda assim, na visão da Semag, a gratificação continuaria inconstitucional, tanto é que propôs representação à Procuradoria-Geral da República, em absoluto desrespeito, mais uma vez, ao Congresso Nacional, a quem cabe a legitimidade do processo legislativo, por meio das comissões e do plenário das Casas.

Mesmo em relação ao valor fixo do bônus pago mensalmente há mais de 2 anos, a secretaria propõe que o Ministério da Economia indique medidas permanentes de redução de despesas ou aumento de receitas para compensar os pagamentos, o que não faz nenhum sentido, já que os valores constam da LOA 2019.

Impressiona a capacidade que órgãos relevantes para o Estado Brasileiro possuem de boicotar a própria finalidade para a qual foram criados. O TCU deve primar, acima de tudo, pelo cumprimento das leis, no respeitante à adequada aplicação dos recursos públicos, zelando pelo cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e das leis orçamentárias. O objetivo final é o necessário equilíbrio das contas públicas, tendo a Receita Federal papel fundamental para esse mister.

Evidentemente, a não regulamentação do bônus trará forte impacto nos resultados, na produtividade e na eficiência da Receita Federal do Brasil, órgão essencial ao funcionamento do Estado (CF, art. 37, XXII), afetando sobremaneira as contas públicas.

Nesse contexto, os Auditores-Fiscais aguardam com expectativa a manifestação do relator no TCU, ministro Bruno Dantas, a quem caberá discernir entre fatos, conjecturas e equívocos contidos no relatório, com o objetivo, espera-se, de instar o Executivo ao pleno cumprimento da Lei 13.464/17, e não o contrário, como propôs a Semag.

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