Artigo: “Maracanaço” fiscal

Por Paulo Roberto Ferreira (*)
Uma das grandes virtudes de uma democracia consolidada se caracteriza pela existência dos chamados árbitros neutros. Trata-se de instituições permanentes de Estado, que não devem se submeter aos Governos de plantão. Para Levitsky e Ziblatt, autores do livro “Como as democracias morrem”, as instituições policiais, os serviços de inteligência e as administrações tributárias figuram no rol dessas instituições.
No Brasil, a administração tributária em âmbito nacional é gerida pela Receita Federal. Mais do que natural que o debate sobre reforma no Sistema Tributário envolva os profissionais que o operam na prática. Dada a sensibilidade da matéria, qualquer ajuste mal feito pode resultar em injustiças, burocracias desnecessárias e evasões fiscais.
Após idas e vindas a respeito da priorização do tema no Congresso, o relator da PEC 45, o deputado Aguinaldo Ribeiro, defendeu no dia 12 de maio a versão final do relatório, durante a Comissão Mista da Reforma Tributária.
No centro desses debates, duas questões sobre a administração tributária precisam vir à tona: o orçamento e os marcos legais institucionais. Na última semana, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou um plano de reforço no caixa das operações da Receita Federal americana em 80 bilhões de dólares. A estimativa é que com essa ação se consiga uma arrecadação de 700 bilhões de dólares em dez anos, recurso esse que lhe permitiria custear creches, escolas e outros programas, ao mesmo tempo em que tornaria mais difícil a sonegação fiscal.
Na contramão, a Receita brasileira sofreu um corte em 2020 de 1 bilhão de reais, equivalente a 40% de seu orçamento anual. Além disso, o próprio Governo na deliberação da PEC 186 foi favorável à extinção de um fundo que ampara investimentos em modernização no aparato de tecnologia no órgão.
Enquanto nos Estados Unidos, atores como Wesley Snipes são condenados à prisão por falta de pagamento de impostos junto ao fisco americano, no Brasil a auditora Alyne Batista, do fisco do Rio Grande do Norte, foi presa após descobrir um esquema milionário, envolvendo um juiz criminal e uma servidora da justiça eleitoral. A situação revela a fragilidade das nossas instituições, que não possuem uma Lei Orgânica e ficam sujeitas a intervenções dessa natureza.
A Reforma Tributária pode ser a oportunidade para enterrar de vez, no âmbito fiscal, aquilo que Nelson Rodrigues cunhou como “complexo de vira-latas” após a derrota do Brasil para o Uruguai na Copa de 50. A bola está com o Congresso!
*Paulo Roberto Ferreira é Auditor-Fiscal da Receita Federal e diretor-secretário do Sindifisco Nacional