A pedagogia das políticas fiscais
Artigo originalmente publicado no jornal Estadão, em 8 de junho de 2020
Por Paulo Roberto Ferreira (*)
Os anos em que atuei como professor na rede pública de educação me ensinaram que existem duas maneiras básicas de você estimular nos alunos os comportamentos desejáveis: valorizando as boas ações e desincentivando as ações ruins. Naquele microcosmo da sala de aula, o exemplo dado pelo professor é um reforço muito importante para os estudantes. O Padre Vieira, em seu famoso Sermão da Sexagésima, dizia a seus colegas que “as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo pregava aos olhos”.
Nas lições de Thomas Hobbes, o Estado é formado pelo pacto de todos os homens uns com os outros. Estabelecida a autoridade, o exemplo dado por aqueles que governam a máquina estatal fica estampado numa vitrine social. O Estado se comunica com seus governados por meio das leis, transparecendo através delas os comportamentos que devem ser valorizados.
Os impactos econômicos e sociais causados pela atual pandemia, que flagela o Brasil e o mundo, ainda são incalculáveis. Aqui no Brasil, a previsão do Banco Central é de uma retração econômica de 5,12%, cenário bem pior que o da média mundial, cuja previsão de queda é 2,4%, segundo dados da Standard & Poor’s. Organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), vêm alertando para a urgência de se discutir e implementar pacotes econômicos emergenciais de socorro, principalmente nos países onde as desigualdades sociais são gritantes.
A nossa Constituição estabeleceu em seu artigo 3° como objetivo fundamental da República Brasileira a redução dessas desigualdades sociais e regionais. No entanto, um estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em agosto do ano passado, mostrou que nos últimos sete anos enquanto a renda da metade mais pobre da população caiu cerca de 18%, o 1% mais rico teve quase 10% de aumento no poder de compra. O documento publicado pelo Centro de Políticas Sociais da fundação aponta um recorde na concentração de renda no País, superando o ano de 89, o pior da história brasileira.
Nesse contexto, é natural que os atores sociais apresentem propostas para conter o avanço e o agravamento da crise causada pela covid-19. Publicado nesta coluna, o artigo Seleção natural das espécies apresentou um conjunto de 10 medidas tributárias emergenciais, elaboradas por entidades representantes dos fiscos brasileiros, para enfrentamento da crise do coronavírus. Seguindo as lições sobre isonomia, imortalizadas pelo mestre Ruy Barbosa, as medidas visam identificar os setores econômicos que mais podem contribuir com o país no momento e exonerar os mais vulneráveis, lançando os pilares para uma Reforma Tributária baseada na justiça fiscal. Tramitam no Congresso Nacional seis projetos de Lei que se baseiam nessas medidas.
Ainda com base em premissas comportamentais e definindo critérios de riqueza, em março do ano passado, o governo apresentou o PL 1646 que traz medidas para o combate ao devedor contumaz e fortalece a cobrança da dívida ativa. O projeto dava sinais de que esse comportamento indesejável seria desestimulado, mas não foi pra frente. E eis que agora, em meio à pandemia, surge o PL 2735 de autoria do Deputado Ricardo Guidi (PSD-PR) propondo um “Super Refis”.
Na proposta do 40° programa de recuperação fiscal, nenhuma restrição é feita àqueles devedores que nunca honraram suas dívidas. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já sinalizou ao governo que esse projeto só será discutido no âmbito de uma Reforma Tributária. Ainda que abstraindo as argumentações em torno da necessidade ou da justiça de mais esse Refis, a pergunta que fica é: os devedores serão medidos pela mesma régua e, ao final, todos serão aprovados?
“Dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única.” (Albert Schweitzer)
*Paulo Roberto Ferreira é Auditor-Fiscal da Receita Federal e diretor-secretário do Sindifisco Nacional