54 anos da Receita Federal e nada a comemorar

“Reconduziremos a Receita Federal para onde jamais deveria ter saído”. A declaração em tom de compromisso é do secretário-especial da Receita Federal, Auditor-Fiscal Julio Cesar Vieira Gomes, e foi proferida um dia depois de ele assumir o cargo, em 8 de dezembro de 2021. Passados onze meses, neste 54º aniversário da RFB pode-se concluir que o secretário falhou.

A Receita Federal sempre foi uma instituição respeitada pelos serviços de excelência prestados à sociedade. No entanto, os Auditores-Fiscais têm testemunhado dia após dia a perda de relevância da Casa. Os sucessivos cortes no orçamento, que vêm sendo denunciados nos últimos anos pela categoria, são uma clara demonstração do deliberado e intencional desmonte estrutural e institucional implementado contra a Receita Federal, afetando também estruturas que a complementam, como a já extinta Escola de Administração Fazendária (ESAF), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

O déficit no quadro funcional do órgão, tanto de Auditores-Fiscais quanto de Analistas-Tributários e servidores administrativos, é outra sinalização da política intencional de enfraquecimento da Receita. Considerando apenas o quadro de Auditores, a redução foi de mais de 40% nos últimos anos, além de que 1/3 dos cerca de sete mil ativos recebe abono de permanência e pode deixar em definitivo de desempenhar a função a qualquer momento. Em janeiro de 2012, 12.158 Auditores-Fiscais atuavam no combate à sonegação, à corrupção, ao contrabando, ao descaminho, aos crimes do colarinho branco, entre tantas outras áreas essenciais para a garantia dos recursos que financiam as políticas públicas. Em 2021, esse número caiu para 7.733.

Sem recursos para investir em tecnologia, capacitação, infraestrutura e sem pessoal, não há como se falar em excelência. A Casa deu significativos passos para trás em setores vitais como a fiscalização. A drástica redução dos plantões e o fechamento das unidades aduaneiras à noite e aos fins de semana, vivenciados na Receita hoje, remetem à realidade do país nos anos 80, quando comboios de ônibus de sacoleiros entravam livremente no país pelo Paraguai em horários em que sabiam estar livres da vigilância das equipes de repressão. Situação que fragiliza sobremaneira a proteção da economia, bem como da saúde e da segurança dos brasileiros.

Também na capacidade de combate à corrupção e à sonegação a Receita deu passos para trás. A perda do voto de qualidade no CARF e a regulamentação das transações tributárias são mais demonstrações de enfraquecimento do órgão.

O fim do voto de qualidade viola os princípios da legalidade, da impessoalidade, da proporcionalidade, da inafastabilidade do controle jurisdicional, da segurança jurídica e do devido processo legal substantivo, que norteiam as relações entre o Fisco e os contribuintes. No entanto, foi implementado sem o devido debate e apesar dos alertas feitos pelos Auditores-Fiscais.

Neste mesmo sentido, as transações tributárias, arquitetadas por grandes conglomerados econômicos para burlar a lei, retiram autonomia da Receita Federal e contrariam o interesse público.

Todos esses ataques têm sido perpetrados sem qualquer resistência significativa da administração, que vem sendo liderada por gestores alinhados apenas com diretrizes de governos, desvirtuando o papel estatal da Receita.

Ações de compliance e a política de gerencialismo superficial, fundamentada no lixo normativo que retira a autoridade legal do Auditor-Fiscal e em metas quantitativas que não contemplam a complexidade dos trabalhos nem a capacidade e a dignidade dos servidores, são instrumentos tratados com prioridade pela administração, em detrimento da eficiência e da qualidade na execução das atividades fins da Receita.

Como se não bastasse, a atual administração ainda se insurgiu contra a categoria, por meio de uma representação contra o Sindifisco Nacional para a Controladoria-Geral da União (CGU). Um vergonhoso e irresponsável ataque à atividade sindical, reprimindo uma mobilização legítima que visa o cumprimento da Lei 13.464, pendente desde 2017, e a defesa do próprio órgão.

E, no apagar das luzes de um governo derrotado nas urnas, a um mês de sua iminente saída, o secretário cria o Conselho Consultivo sobre Administração Tributária e Aduaneira da União (Concat), a ser composto por advogados tributaristas (pasmem) e ex-secretários da Receita, sendo um deles o da gestão anterior e o presidente do grupo o secretário do momento. Ou seja, em qualquer que seja o cenário, Julio Cesar terá uma vaga garantida. Um lamentável desrespeito ao amplo e necessário debate que tal assunto merece e, ainda, uma demonstração de casuísmo, personalismo e apego ao poder, também manifestada no mês passado, quando agraciado com uma portaria de elogio por seu próprio subordinado.

Nós, Auditores-Fiscais ativos e aposentados, temos muito orgulho de termos contribuído nesses 54 anos para que a Receita Federal fosse sinônimo de seriedade e excelência. Diante de tantos desafios, ratificamos o compromisso de primar para que essa imagem seja restabelecida. A despeito de promessas vazias de quem ocupa o principal cargo da Casa, nos manteremos firmes no cumprimento da nossa missão republicana, em defesa do Estado e do financiamento das políticas públicas que são tão caras à população brasileira.

Então, mesmo num cenário tão adverso: parabéns, Receita Federal do Brasil, pelo caminho trilhado até aqui! Parabéns, Auditores-Fiscais, por serem protagonistas dessa história! Sigamos juntos ao necessário resgate do papel da nossa Casa!

Conteúdos Relacionados